Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Esther Hamburger (USP)

Minicurrículo

    Esther Império Hamburger é Professora Titular de História do Audiovisual no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA USP. Atua na confluência da Crítica e dos Estudos de Cinema e Televisão e Antropologia, na abordagem cinema, na televisão e nas mídias digitais contemporâneas e na história recente. É atualmente Pesquisadora do Programa Ano Sabático IEA-USP e coordenadora do Laboratório de Investigação e Crítica Audiovisual

Ficha do Trabalho

Título

    Roteiro colaborativo: Chytilová, Krumbachová e Kucera

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esse trabalho discorre sobre a co-criação do roteiro de As Pequenas Margaridas (Vera Chytilová, 1966), com a participação da diretora, da diretora de arte e figurinista e do co-diretor de arte e fotógrafo. A partir de pesquisa relacionada a bolsa de Bepe Fapesp 2022/04554-0 de Luiza Wollinger Delfino nos acervos da Cinemateca Tcheca, nosso texto colaborativo discute o processo colaborativo do roteiro e seu potencial de estimular a experimentação.

Resumo expandido

    Esse trabalho discorre sobre a co-criação do roteiro de As Pequenas Margaridas (1966) de Vera Chytilová. Em pesquisa anterior, reconhecemos a relevância do roteiro no processo de criação da diretora e dos próprios modos de produção do Cinema Estatal Tchecoslovaco da época. Chytilová assina oficialmente o roteiro com a diretora de arte e figurinista do filme, Ester Krumbachová. As realizadoras apontam a participação de Jaroslav Kucera – diretor de fotografia e co-diretor de arte, além de marido de Chytilová.
    Essa apresentação se baseia em materiais provenientes de diversas fontes nos acervos da Cinemateca Tcheca onde coletamos os roteiros dos filmes e entrevistas dos realizadores (Bolsa Bepe Fapesp 2022/04554-0 de Luiza Wollinger Delfino) . O contato com o pesquisador e professor Petr Sczepanik ajudou a melhor entender o sistema de produção cinematográfico do país. E a recente disponibilização dos arquivos pessoais de Krumbachová e Kucera possibilitam a compreensão de seus processos criativos. As diversas fontes sugerem que o trabalho colaborativo desse trio, em momento privilegiado da cinematografia tchecoslovaca, favorece a criação visual-artística original desde a gênese dos projetos, incluindo o processo de roteirização. A equipe trabalha com a ideia de desconstrução em diversos sentidos, a começar da integridade moral das duas jovens protagonistas, que usam a sedução como ganha pão, mas também a desconstrução da linearidade narrativa, o questionamento da unidade da imagem, a partir das cores, texturas e colagens, a destruição do cenário, a deglutição do banquete.
    Pretendemos usar a crítica genética tal como proposta por Cecília Salles para analisar as relações entre roteiro e filme, problematizando a possível distância entre o que está em cada versão do roteiro e o que aparece em cena. Uma busca semelhante a de Monzani em Gênese de Deus e o Diabo na Terra do Sol (2006). Percebemos a presença de desejos semelhantes entre a Nova Vlná e o Cinema Novo, porém detectamos marcas de modos de produção diversos, já que dentro do cinema estatal tchecoslovaco, os cineastas da Nová Vlna estavam submetidos a processos sistemáticos de realização. No sistema Tcheco da época, o roteiro literário é equivalente ao roteiro nas convenções atuais: falas e rubricas. No caso de As Pequenas Margaridas, ele é formatado em duas colunas (uma para imagem e outra para som), apesar dessa prática já perder força nos anos 60 para o de coluna única. Aprovado o roteiro literário, submete-se o roteiro técnico: também em duas colunas, mas com indicação da cor do negativo, estimativa de metros de filme, numeração de planos e por vezes detalhes sobre movimento de câmera ou possíveis trucagens. Interessante notar como nos roteiros tchecos “cenas” são chamadas de “imagens” (“obraz” no original) em ambas etapas de roteiro, o que já sugere a preocupação imagética do roteiro.
    Surpreende como um roteiro com tantos detalhes técnicos e formais resulte em um filme tão livre e experimental quanto As Pequenas Margaridas. Seria possível então pensar no roteiro como alavanca criativa e não como ferramenta de controle? De qualquer forma, como alternativa à lógica causal e enredo com morais claras, o filme mobiliza elementos estéticos (truques, tingimento dos planos, motivos visuais de borboletas e flores), diálogos absurdos e a estrutura das cenas em esquetes, sem ligação espaço temporal entre elas. Os diálogos se mantêm praticamente inalterados entre o roteiro técnico e o filme. De acordo com Chytilová, este seria o único elemento fixo, o direcionamento principal nas filmagens – de resto, tudo estaria aberto à improvisação e mudança.
    Esse trabalho olha para o roteiro de As Pequenas Margaridas e estimula discussões transnacionais comparativas sobre o roteiro. A pesquisa mobiliza questões referentes à arquivos, institucionais e pessoais, e suas potencialidades para estudos de roteiro e processo criativo no cinema.

Bibliografia

    BERNARD, Jan (Org.). 5 a 1/2 scénáre Ester Krumbachové. Praha: AMU, 2021.
    CHYTILOVÁ, Vera; KRUMBACHOVÁ, Ester. Sedmikrásky. Technicky scénár. Praha: NFA, 1965.
    CHYTILOVÁ, Vera; PILÁT, Tomás. Vera Chytilová: zblízka. Praha: XYZ, 2010.
    HEFFNER, Hernani. Contribuição a uma história do roteiro. Esferas, n. 21, p. 65–91, 2021.
    JERÁBKOVÁ, Edith; SVATONOVÁ, Katerina. Ester Krumbachová. Praha: UMPRUM, 2022.
    MONZANI, Josette Maria Alves de Souza. Gênese de Deus e o diabo na terra do sol. São Paulo: Salvador: Annablume: FAPESP; Fundação Gregório de Mattos: UFBA, 2006.
    SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp: Annablume, 2009.
    SKUPA, Lukás. Vadí-nevadí: Ceská filmová cenzura v 60. letech. Praha: NFA, 2016.
    SVATONOVÁ, Katerina. Mezi-obrazy: mediální praktiky kameramana Jaroslava Kucery. Praha: UK-FF, 2016.
    SZCZEPANIK, Petr. How many steps to the shooting script? A political history of screenwriting. Iluminace, v. 25, n. 3, p. 73–98, 2013