Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Sabrina Tenório Luna da Silva (UFMT)

Minicurrículo

    Sabrina Tenório é professora da graduação em Cinema e Audiovisual da Uiversidade Federal do Mato Grosso. Doutora e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, realizou doutorado sanduíche na Universidade Livre de Berlim com bolsa da Capes.

Ficha do Trabalho

Título

    Paisagens e intervenções digitais no cinema brasileiro

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Neste artigo, pretendemos investigar o uso de intervenções digitais na representação de paisagens de três filmes brasileiros contemporâneos: Aquarius (2016, Dir. Kléber Mendonça Filho), As Boas Maneiras (2018, Dir. Juliana Rojas e Marco Dutra) e Inferninho (2018, Dir. Guto Parente e Pedro Diógenes). Nestas obras, as intervenções digitais se mostram como elementos estéticos e políticos construídos em conjunto com a direção de arte, transformando e criando espaços de visualidade.

Resumo expandido

    A eleição da arquitetura e da paisagem estão na base da cenografia cinematográfica (HAMBURGER, 2014, p. 32). Nos filmes Aquarius, As Boas Maneiras e Inferninho, os espaços ocupados pelos personagens são tema das obras e as intervenções digitais um elemento estético, discursivo e político.
    O cenário ocupado pelos personagens de Inferninho dá nome ao filme. Aquarius é um filme sobre Recife, que trata do processo de gentrificação da cidade. As Boas Maneiras se passa em uma São Paulo que recebe intervenções digitais na paisagem para expressar a visualidade do filme em consonância com o gênero de horror fantástico, levantando também questões de classe, raça e gênero.
    Em Aquarius, o diretor decide apagar as Torres Gêmeas (expressão pela qual são conhecidos os edifícios Píer Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho) do seu filme. Tal intervenção funciona como uma afirmação política e foi realizada em consonância com os diretores de arte Thales Junqueira e Juliano Dornelles.
    A visualidade do filme conta com escolhas estéticas de uma vertente realista, marcada pelo uso de objetos e figurinos que conectam o apartamento de Clara, personagem principal, à praia e ao espaço urbano. Os móveis do seu apartamento representam a sua história e a de familiares que viveram naquele espaço, oferecendo solidez à personagem.
    Aquarius retrata a cidade habitada por Clara, mostrando os conflitos cotidianos entre um Recife que resiste e outro que busca transformar a cidade de forma avassaladora. A intervenção digital, que ocorre de forma pontual na obra, “cria uma nova paisagem, sem a escandalosa deformação urbana que as torres representam, uma mensagem política, de não aceitação do cenário violento que nos é imposto” (JUNQUEIRA, 2017, p. 153).
    Uma forma distinta de intervenção digital nas paisagens ocorre em As Boas Maneiras. Com direção de arte de Fernando Zuccolotto, o filme é um terror fantástico que se inicia com a relação entre a enfermeira Clara, e Ana, que está grávida e a contrata para ser babá.
    A direção de arte do filme utiliza as cores complementares laranja e azul na sua base, aplicadas em diversas tonalidades. O ambiente físico é retocado pelo uso de matte paintings, técnica digital que mistura imagem filmada e paisagem pintada. A técnica foi utilizada para criar alguns dos cenários do filme, entre eles os prédios vistos das janelas do apartamento de Ana. A Lua Cheia, elemento de forte teor narrativo, também ganha a proporção desejada devido ao digital. As intervenções, além de oferecerem uma atmosfera de fabulação à obra, acentuam o contraste entre a São Paulo habitada por cada uma das personagens.
    Inferninho, que conta com direção de arte de Tais Augusto, conta com um orçamento bem menor do que Aquarius e As Boas Maneiras, o que apresenta influência direta na produção. O filme se passa em apenas uma locação, os personagens usam quase sempre os mesmos figurinos e os ambientes externos são representados por um chroma key que não tem intenção de ser realista. As paisagens mostradas são sonhos de Deusimar, que tem o seu desejo de conhecer o mundo anunciado pela chegada do marinheiro Jarbas. Ela, por fim, sai do bar depois que a exploração imobiliária chega na área. Em suas viagens pelo mundo, vemos pontos turísticos conhecidos projetados na tela verde.
    O uso do chroma key para representar as cenas externas, não apenas enriquece a atmosfera de refúgio e estranhamento transmitida pelo filme: ela é, também, um posicionamento político. Inferninho versa também sobre a produção cinematográfica em si, apresentando uma forma de fazer cinema mais experimental, onde a representação fiel da realidade é questionada.
    Os filmes utilizam as locações e paisagens de formas distintas entre si, mas se conectam no tocante às intervenções digitais que realizam no espaço e através dos discursos que estas despertam, apresentando um campo amplo de debate para as práticas de direção de arte e construção de visualidades no cinema brasileiro.

Bibliografia

    GOMES, Renato Cordeiro; SICILIANO, Tatiana Oliveira. Rastros e imagens sobreviventes na era de Aquarius: corrosão e gentrificação na metrópole de Kléber Mendonça Filho. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.21, n.1, jan./abr. 2018

    HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SENAC Edições SESC, 2014.

    JUNQUEIRA, Thales. Direção de Arte em Cinema: leituras de um espaço. BUTRUCE, Débora e BOUILLET, Rodrigo (org). Direção de arte no cinema brasileiro. Caixa cultural. Rio de Janeiro.1ª Ed. 2017.

    PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. SP: Senac, 2009.

    PRYSTHON, ngela Freire; CASTANHA, Cesar de Siqueira; ASSUNÇÃO, Larissa Veloso. Notas sobre a paisagem, o espaço fílmico e a melancolia. In: XXIX Encontro Anual da Compós, 2020, Porto Alegre. Anais do XXIX Encontro Anual da Compós, 2020.