Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Denise Costa Lopes (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Doutora em Artes Visuais pela EBA/UFRJ, com bolsa CAPES na Université Lumière Lyon 2. Professora do curso de Cinema da PUC-Rio desde 2010, e de cursos livres independentes de Cinema, Pintura e Arte Contemporânea desde 2019. Leciona em cursos de cinema desde 2005, com passagens pela UFF, UNESA e ECDR. Mestre pelo Departamento de Cinema da UFF. Bacharel em Comunicação pela ECO/UFRJ. Sua área de interesse se encontra na confluência do cinema com as outras artes, em especial com a pintura.

Ficha do Trabalho

Título

    Projeção mapeada: arte performativa e expressão política na Amazônia

Mesa

    Poéticas do Audiovisual: sobre eventos e objetos das artes

Formato

    Presencial

Resumo

    O objetivo deste trabalho é investigar a linguagem do video mapping como arte performativa e expressão política hoje na Amazônia. As obras de Roberta Carvalho, Symbiosis e Cinema Líquido, estarão em foco como produtoras de potentes visualidades sobre os povos originários da região. Usadas como meio de aproximação com as populações ribeirinhas e a natureza, essas práticas serão analisadas como poéticas tecnológicas de ressignificação e resistência à luz do perspectivismo ameríndio (Castro).

Resumo expandido

    O Festival Amazônia Mapping (FAM), que completou uma década nesse ano de 2023 com exibições on-line em realidade virtual, auxiliou na criação de uma rede de projeção mapeada na região que dá visibilidade a agentes e narrativas invisíveis. A artista Roberta Carvalho, idealizadora do evento e uma das pioneiras na prática em Belém do Pará, realizou durante esses anos experimentações que engendraram experiências sensoriais imersivas e fizeram com que seus interlocutores muitas vezes pudessem ver e sentir como os homens e os bichos que habitam a Amazônia.

    Os cenários e os modos de operação dessa arte interativa surgidos com o FAM acabaram por dialogar imageticamente, de forma simbólica, com ritos da tradição indígena do xamanismo, que buscam o transe, a transmutação e o contato entre corpos e espíritos de seres míticos da floresta, animais, plantas e mortos, envolvendo ideais de cura. Como escreve Eduardo Viveiros de Castro, “O xamanismo ameríndio pode ser definido como a habilidade manifesta por certos indivíduos de cruzar deliberadamente as barreiras corporais entre espécies e adotar a perspectiva de ‘subjetividades estrangeiras’, de modo a administrar as relações entre estas e os humanos” (2018, p.49).

    Ao evocar com suas projeções fantasmagóricas rostos em copas de árvores (Symbiosis/2007) que balançam com o vento, alterando fisionomias, ou corpos projetados nos rios (Cinema líquido/2015) que se movem com as ondulações das águas, Roberta não só faz reviver os espíritos da floresta e nos reconectar com a natureza e a herança de nossos antepassados, como materializa de alguma forma a magia desses rituais, impactando um imaginário muito poderoso, adormecido por séculos de descaso, opressão e espoliação. Na criação de suas esculturas de luz, árvores e rios ganham olhos a nos fitar e ouvidos a nos escutar, numa simbiose que faz com que o homem tome literalmente o ponto de vista das árvores, dos rios, da natureza, trazendo a animalidade para o domínio humano, exatamente como nos descreve Castro sobre o perspectivismo ameríndio.

    Olhar para essas performances tecnológicas criadas com a luz pelo viés desse perspectivismo e multinaturalismo, onde homens, plantas e animais distantes do antropocentrismo, abolem hierarquias ontológicas para viverem em harmonia, com cada espécie irradiando uma consciência, parece ser enriquecedor. A centralidade do corpo como materialidade social trazida pela imaterialidade das imagens projetadas em superfícies em movimento nos remete também ao tema da memória e à ideia das “imagens sobreviventes” apresentadas por Didi-Huberman a partir de Aby Warburg. Os processos de ressignificação histórica, rememoração de processos coloniais e de conscientização tão afeitos às intervenções espaciais das projeções mapeadas estão sempre a trabalhar com deslocamentos, metamorfoses, recalques e desejos de reviver origens perdidas.

    Symbiosis e Cinema líquido trabalham sobretudo com a ideia de sobrevivência e resistência de formas de vida amalgamadas com a natureza. A força dessas obras vem dessa potencialização de “imagens sobreviventes” do universo amazônico em conexão com a cosmologia ameríndia, e também da materialidade impressa por seus espetáculos de luz em cenários primitivos que exacerbam a visão arqueológica do cinema (Elsaesser), remontando às várias experiências com luz e movimento desde as pinturas experienciadas por meio do fogo nas cavernas do Paleolítico.

    Ao tentar analisar de forma transmidiática e transhistórica essas práticas do video mapping como arte performativa e expressão política, discutindo a base dos estatutos da imagem em movimento em sintonia com as teorias de Eduardo Viveiros de Castro, o presente trabalho pretende colaborar para o avanço do pensamento sobre a atividade em expansão na Amazônia, bem como para uma maior reflexão acerca dessa potente rede que tem conseguido levar para o mundo, muitas vezes literalmente, a face dessa população originária destituída de suas terras e cultura.

Bibliografia

    Brandi, M. (2019). A linguagem autônoma da luz como arte performativa. In Bambozzi, L., Portugal, D. (Org). O cinema e seus outros: manifestações expandidas do audiovisual. São Paulo: Equador: AVXLab – Laboratório de Audiovisual Expandido.
    Brasil, André. A performance: entre o vivido e o imaginado. Porto Alegre: Trabalho apresentado no GT Comunicação e Experiência Estética do XX Encontro da Compós. UFRGS, 2011.
    Castro, E. V. de. (2017). A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ubu, n-1 edições.
    ________ (2018). Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Ubu, n-1 edições.
    Didi-Huberman, G. (2013). A imagem sobrevivente. História da arte e do tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto.
    Elsaesser, T. (2018). Cinema como arqueologia das mídias. São Paulo: Sesc São Paulo.
    Zumthor, P. (2007). Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify.