Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Rafael Garcia (Unespar; UFPR)

Minicurrículo

    Alexandre Rafael Garcia é pesquisador, realizador e professor de cinema. Doutor em História (UFPR), mestre em Multimeios (Instituto de Artes da Unicamp) e bacharel em Cinema (Faculdade de Artes do Paraná). Professor na Unespar (Universidade Estadual do Paraná) no Bacharelado em Cinema e Audiovisual e no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo – PPG-CINEAV; integrante do grupo de pesquisa Cinecriare – Cinema: Criação e Reflexão; e coordenador editorial da Coleção Escrever o Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Filme conversa, cinema conversa e filmes de conversação no Brasil

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Entre as décadas de 1950 e 1960, Paulo Emílio Salles Gomes insistiu que o problema estético primordial do cinema brasileiro era a maneira de falar (e soar) das personagens. A partir de 1963, com o início da utilização de equipamentos leves e portáteis para gravação de imagem e som sincrônicos, surgiu o que Paulo Emílio chamou de “cinema conversa”: filmes sem comprometimento dramático definido e imediato, que se opunham ao formato do diálogo tradicional e valorizavam a espontaneidade verbal.

Resumo expandido

    Em 1957 o mais importante crítico de cinema do Brasil, Paulo Emílio Salles Gomes, reagiu contra mediocridade do status quo cinematográfico nacional da época, argumentando que o nosso cinema ainda não tinha descoberto como o brasileiro andava, dançava, cuspia, se coçava e, principalmente, falava e conversava. Paulo Emílio insistia que algumas linhas de diálogo escritas até que eram boas, mas quando encenadas eram um desastre, indicando que o problema estético primordial em nosso cinema era a maneira das personagens falarem (GOMES, 2016, pp. 216-7). O crítico se referia a uma tradição cinematográfica brasileira “de qualidade”, de levar às telas personagens que falavam um português que não correspondia ao brasileiro do dia a dia, como percebido em musicais até os anos 1950 e nos filmes da Vera Cruz, nos quais as personagens pronunciavam diálogos elegantes, bem escritos e bem-ditos (BERNARDET, 2014, p. 21). Como dito por Paulo Emílio. “O aparecimento de um filme brasileiro em que se fale bem será um acontecimento fundamental na história de nossa cinematografia” (GOMES, 2016, p. 217). Felizmente, estes filmes surgiram no contexto do cinema moderno – e é sobre este acontecimento fundamental que trataremos.
    Nesta comunicação vamos apresentar reflexões dos críticos Jean-Claude Bernardet e David Neves dialogando com o mentor Paulo Emílio, na hipótese de que o cinema brasileiro sofreu uma grande transformação na passagem dos anos 1962 e 1963, promovendo uma revolução sonora, em sentido tecnológico e estético. O evento que marca esta passagem é o “Curso de Cinema Arne Sucksdorff” no Rio de janeiro, quando foi colocado nas mãos de jovens que queriam ser cineastas equipamentos portáteis de filmagem: câmeras 16 mm de ruído abafado e gravadores de som da marca Nagra, que estimulavam o registro de imagem e som sincrônicos em qualquer ambiente, incluindo locações ao ar livre. A proposta e o desafio encampado pelos realizadores presentes no curso, que corporificavam o Cinema Novo, era o de captar diferentes maneiras o falar brasileiro, criando filmes que explorariam de novas maneiras a fala, o diálogo e a conversa. Os primeiros trabalhos destes realizadores eram documentários, mas nos anos seguintes surgiram ficções.
    Entre 1964 e 1968, Paulo Emílio começou a apontar o surgimento de algo que ele primeiro chamaria “filme conversa” e depois “cinema conversa”: eram criações que exploravam os aspectos aurais de falas e diálogos prosaicos, fazendo ouvir a prosódia de diferentes personagens, os sotaques, as entonações, os ritmos, as lacunas… Foi neste sentido que o crítico começou elogiando “Integração racial”, de 1964, para então exaltar “O desafio”, lançado em 1965, ambos dirigidos por Paulo César Saraceni. Paulo Emílio declarou que “foi muito bom encontrar num filme de ficção aquela interminável conversa política, na sequência da redação da revista” (GOMES, 1986, p. 254). Ele continuou, explicando que esse cinema o atraía muito porque estava convencido “do fascínio que encerra o simples registro de uma pessoa que fala e cuja fluência ou constrangimento sejam igualmente espontâneos […] É fácil sentir como esse gênero de fala, sem comprometimento dramático definido e imediato, se opõe ao diálogo habitual.” (GOMES, 1986, pp. 254-5). Décadas depois, é possível dizer que ali estava o gérmen brasileiro do que identificamos hoje como uma tradição (e estilo) de “filmes de conversação” (GARCIA, 2022). Para justificar esta hipótese, vamos conferir trechos dos filmes comentados por Paulo Emílio Salles Gomes e fazer conexões com o trabalho de David Neves, que de crítico seguidor de Paulo Emílio se tornou um realizar de “cinema conversa”, como poderemos analisar no longa-metragem ficcional “Muito prazer”, de 1979. Nosso objetivo é investigar a sonoridade de filmes a partir do enfoque nos diálogos que parecem espontâneos, mas são fruto de métodos rigorosos de construção, oferecendo novas possibilidades de (re)avaliação artística.

Bibliografia

    BERNARDET, J-C. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
    CÂMARA, M. Som direto no cinema brasileiro: fragmentos de uma história. Fortaleza: RDS Editora, 2018.
    COSTA, F. M. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
    GARCIA, A. R. Filmes de conversação: conceito, história e análise de um estilo cinematográfico. Curitiba: UFPR, 2022. Tese (Doutorado em História).
    GOMES, P. E. S.; CALIL, C. A. (Org). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
    GOMES, P. E. S; CALIL, C. A.; MACHADO, M. T. (Org.). Paulo Emilio. Um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense, 1986.
    GUIMARÃES, C. B. A introdução do som direto no cinema documentário brasileiro na década de 1960. São Paulo: USP, 2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação).
    HAMBURGER, E. Arne Sucksdorff professor incômodo no Brasil. Doc On-line, Lisboa, n. 27, 2020.
    OPOLSKI, D. Edição de diálogos no cinema. Curitiba: UFPR, 2021.