Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Edvaldo Siqueira Albuquerque (UNIFOR)

Minicurrículo

    Edvaldo Siqueira Albuquerque é professor do curso de Cinema e audiovisual da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Tem doutorado em Sociologia (UFC), tendo como objeto de estudo documentários em primeira pessoa realizados no Brasil no contexto contemporâneo. É documentarista e fotógrafo de cinema, associado à ABC – Associação Brasileira de Cinematografia (Valdo Siqueira, ABC).

Ficha do Trabalho

Título

    Ofício de artesão: a cinematografia de Ivo Lopes Araújo

Seminário

    Estética e plasticidade da direção de fotografia

Formato

    Presencial

Resumo

    Quando a lenta transição do analógico ao numérico se fechou, velozmente tecnologias digitais se incorporaram ao cinema, disseminando novas relações entre o mundo histórico e quem o registra. Tal como no contexto globalizado, a cinematografia sofreu profundas mudanças, o que repercute na forma de captar e manipular a imagem, gerando modelos reprodutíveis. Na contramão da padronização, lentamente foram aparecendo cinematografias singulares, como a de Ivo Lopes Araújo, fotógrafo artesão brasileiro.

Resumo expandido

    Mal completou cem anos, o cinema analógico passou a ser gradativamente substituído pelo digital, levando-o a encerrar um ciclo material bem sucedido no qual os processos físico-químicos da película passaram a ser questionados em nível global. O digital também fez ecoar mais forte o grito teórico de Walter Benjamin sobre a aura de unicidade e a arte reprodutível, visto que este imprime numericamente uma cópia binária idêntica, tornando impossível inferir-se sobre sua real originalidade.
    Em praticamente todo o mundo, soprado pelo vento da globalização, a tela da pós modernidade sente a força do aparato tecnológico vigente (o digital), tido como fator facilitador do trabalho de indivíduos que captam e manipulam imagem. Além do cinema e da televisão, exponencialmente o panorama audiovisual expandiu-se em novas telas luminosas, fazendo o cinema ocupar todos os lugares, não mais apenas o ambiente escuro. De forma natural, a cinematografia digital foi incorporando novos sistemas de captação, como câmeras, sensores, compressores, bem como, a posterização passou a lançar mão de processos capazes de modificar a imagem captada e atribuir modulações antes impossíveis, como mudança posterior de ISO, por exemplo. Aos poucos estas ferramentas se tornaram condição sine qua para o trabalho dos cinematographers, tornando seus processos de virtualização de imagem homogêneos, amplamente padronizados. Novos modelos de imagem visavam desconstruir as falhas individuais do analógico e imprimir celeridade ao seu duplo. Em suma, o digital aspirava descentrar a imagem da ação do humano e transferi-la para a tecnologia. Sob as novas condições que lhe são dadas, fotógrafos de todo o mundo passaram a contar a história segundo a nova lógica, o que abriu espaço para processos de desfragmentação da imagem.
    Na contramão destes processos, agindo com base nas novas condições históricas criadas pela diáspora do digital, fotógrafos formados sob processos aos quais nasceram (o cinema analógico) buscam submeter o numérico a uma desaceleração da réplica, como se almejando a construção de imagens cujas características tivessem o traço esculpido de unicidade do artesão. Um deles é Ivo Lopes Araújo, fotógrafo cearense, cuja cinematografia tem forte marca pessoal na criação imagética.
    Ivo Lopes Araújo trabalhou inicialmente com a película, porém enfrentou o início da realidade digital com as condições ainda parcas de possibilidade de manipulação de imagens para a época, o que o fez submeter alguns de seus filmes iniciais de muito experimentalismo impresso em mídia eletrônica física (fitas) – neste caso, Sábado à noite (2008). Com a migração do registro para cartão e a consequente possibilidade de manipulação digital, Ivo Lopes foi levando para o interior de filmes documentários (A falta que me faz, de Marília Rocha; O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges) uma artesania na construção do quadro, mesmo quando captado em uma câmera simples como as de tipo DSLR, algo que repercute fortemente em trabalhos próprios e em colaboração posteriores, como em Girimunho (Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr., 2012). E assim, se fazendo fora dos moldes plurais da grande indústria digital, mesmo quando trabalha com o aparato proeminente neste campo – como câmeras Alexa Mini, Red etc, transfere para o digital as marcas de uma subjetividade que difere dos modos de ver promovidos pelo artifício dos códigos digitais. Em suma, o trabalho deste fotógrafo pode ser visto com possuidor de um atributo singular, que devolve ao espectador a idéia de que existe por trás de uma imagem a visão subjetiva de quem a capta. Que mostra as ranhuras da imagem como a sua própria pálpebra. Em suma, frente à fragmentação pós moderna e a aceleração de uma cultura sobre outra, se plasma o olhar divergente da imagem síntese tal qual se comporta grande parte da cinematografia atual.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas. 7a edição. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
    LANDAU, David. Lighting for Cinematography: a practical guide to the art and craft of lighting for the moving image (The CineTech Guides to the Film Crafts) 1st Edition, Kindle Edition.
    OLIVEIRA, Rogério Luiz; TEDESCO, Marina Cavalcanti (Orgs.). Cinematografia, expressão e pensamento. Curitiba: Appris, 2019.
    PARENTE, André (Org). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
    STUMP, David. Digital cinematography: Fundamentals, tools, techniques and workflows. Burlington, MA: Focal Press, 2014.