Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Leticia Machado Santinon (UFRB)

Minicurrículo

    Curadora e pesquisadora audiovisual, graduada em Ciências Sociais e mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com pesquisa sobre a recepção de Sarah Maldoror no Brasil. É integrante do Grupo de Estudos em Experiência Estética: Comunicação e Artes, e, África em Pauta (UFRB). Com experiência com distribuição audiovisual e como programadora de salas de cinema desde 2010.

Ficha do Trabalho

Título

    SARAH MALDOROR, CINEMA DE COMBATE E REPARAÇÃO EM IMAGENS

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir dos dois primeiros filmes de Sarah Maldoror – Monangambé e Sambizanga, realizados respectivamente nos anos de 1968 e 1972 – analisamos suas imagens na tentativa de compreender com mais profundidade o cinema que nasce junto ao período das independências dos países africanos. Um cinema que reivindica o direito à imagem e ao visível, um cinema que busca por reparação. Acreditamos que a pesquisa possa colaborar na ampliação do debate sobre a recepção dos cinemas africanos no Brasil.

Resumo expandido

    Sarah Maldoror foi a primeira realizadora negra a filmar no continente africano. Uma cineasta filha da diáspora, afirmava o seu interesse em contar a história africana, que por muito tempo foi contada pelos outros. “Eu acho que somos nós que devemos defender nossa própria história, para torná-la conhecida – com todas as nossas qualidades e defeitos, nossas esperanças e desespero.” (Maldoror, 1997). Autora de mais de 40 obras, sua carreira reuniu filmes com uma profunda força política, poética, ética e estética. Um cinema anticolonial, mas, sobretudo, poético. Monangambé (1969) e Sambizanga (1972) são filmes sobre a luta de independência de Angola (1961-1974) baseados nas obras literárias de Luandino Vieira (1935), escritor angolano e integrante do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Monangambé é inspirado no conto O Fato Completo de Lucas Matesso (1961); e Sambizanga no romance A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (1961). Através de Maria em Sambizanga, Sarah destaca as mulheres como imprescindíveis para as independências dos países africanos, unidas das crianças, jovens e idosos que formaram redes para derrubar o regime opressor colonial português. Ao escolher trazer essas personagens para o centro de seus filmes, Sarah faz um gesto de reparação em nome de toda comunidade em sua luta por libertação. Protagonizou as pessoas das aldeias, das periferias das cidades, os trabalhadores e os poetas. Em sua obra abordou o colonialismo e os seus mecanismos – como o sistema prisional nas colônias, o racismo nas periferias da Europa – e os resultados de uma política de exploração que deixou heranças na América e em África. Em Flecha no tempo (2019), os autores Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino, descrevem a colonização como um trauma permanente, uma ferida aberta, sangria desatada. Os autores também questionam: quais são os caminhos possíveis para reparação? E aproveitamos para fazer coro a essa questão: é possível haver uma reparação? A dívida é impagável (Silva, 2019), portanto, como haver reparação? Para Grada Kilomba (2019), reparar significa negociar o reconhecimento. “Reparar o mal causado pelo racismo através das mudanças de estruturas, agendas, espaços, posições, dinâmicas, relações subjetivas, vocabulário, ou seja, através do abandono de privilégios.” (Kilomba, 2019, p.46)
    Se debruçar na análise dos filmes realizados por Sarah no recém período pós colonial dos países africanos, é reparar esse lugar privilegiado sempre ocupado pelas cinematografias brancas hegemônicas e trazer ao campo do visível e do dizível, trazer ao debate os cinemas africanos. Para este percurso de análise da recepção dos filmes de Sarah, convocamos Mahomed Bamba, pesquisador que se dedicou aos cinemas africanos, às análises fílmicas e aos estudos de recepção. Destacou como a própria história dos cinemas africanos, interferem na estética das obras e na maneira como elas são criadas pelos seus realizadores. “As cinematografias africanas são contemporâneas dos períodos das independências dos países africanos, o que faz delas as mais jovens cinematografias do mundo. Na África o cinema se construiu como uma luta pelo direito à imagem, isto é, uma forma de autodeterminação pela imagem.” (BAMBA, 2006). Consideramos que a análise das imagens dos filmes de Sarah é fundamental para compreender de forma mais perspicaz a recepção desses filmes. E que podem nos auxiliar a compreender a obra de Sarah numa perspectiva temporal expandida, onde passado, presente e futuro se amalgamam. Rancière argumenta que uma imagem não é algo passível, mas antes uma ação, um processo que liga uma forma visível a outra, unindo a “um enunciado dizível, a certa estruturação do tempo, a certo lugar no espaço, a modos de percepção e interpretação.” (2021, p.46). Acreditamos que uma análise detalhada dos filmes de Sarah são capazes de analisar as determinações que pesam sobre a leitura do filme e seu impacto no que diz respeito aos aspectos da sua recepção.

Bibliografia

    CARDOSO, Pedro. Em nome da moral fazem-se guerras. Buala, 2008. Disponível em . Acesso em: 02 de março de 2022.
    HOLANDA, Karla (Org.). Mulheres de cinema. Rio de Janeiro. Numa Editora, 2019.
    KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro. Cobogó, 2019.
    PIÇARRA, Maria do Carmo. Os cantos de Maldoror: Cinema de libertação da realizadora romancista. Revista Mulemba UFRJ v.9, n.17 p.14-29. Rio de Janeiro, RJ, 2017.
    PRICE, Yasmina. Woman With a Weapon-Camera: On the work of Sarah Maldoror. The New Inquiry, 2020. Disponível em . Acesso em: 25 de fevereiro de 2022.
    RANCIÈRE, Jacques. O trabalho das imagens: Conversações com Andrea Soto Calderón. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2021.
    SILVA, Denise Ferreira. A Dívida Impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.