Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Roberta Veiga (UFMG)

Minicurrículo

    professora do Depto. de Comunicação e do PPGCOM/UFMG; consultora científica da FAPESP; coordenadora do grupo Poéticas Femininas, Políticas Feministas (UFMG-Cnpq) e do GT Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual (COMPÓS); integra o comitê científico da SOCINE. Tradutora do livro Nothing Happens: Chantal Akerman’s Hyperrealist Everyday, de Ivone Margulies; e autora de vários artigos e capítulos de livro sobre escritas de si, cinema e feminismo.

Ficha do Trabalho

Título

    Para Eduardo Coutinho, sua incontornável abordagem no feminino

Mesa

    Mulheres no cinema de Eduardo Coutinho

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta é retomar a obra de Eduardo Coutinho menos entusiasmada pelo cineasta – como os estudos da primeira década dos anos 2000 – mas por suas personagens. Levando em conta a peculiaridade de seu método de aproximação dos mundos filmados e de construção da cena documental, buscamos uma abordagem no feminino, a partir da qual as tantas mulheres presente nos filmes sejam vistas como protagonistas não apenas na mise-en-scène e na narrativa, mas na constituição do dispositivo do documentarista.

Resumo expandido

    Ao reivindicar um olhar feminista para o cinema de Eduardo Coutinho não buscamos exigir dos filmes o cumprimentos de pautas específicas, nem debates panfletários, mas sim a inevitabilidade da abordagem de gênero para a compreensão de sua obra. Trata-se, portanto, de defender a forte presença e participação feminina na obra desse cineasta como instituinte de seu dispositivo, isto é: como propulsora de seu dialogismo; como linha de força no aprendizado e amadurecimento da condução de sua metodologia (de busca, escuta e cuidado com seus personagens); e como inspiradora de suas opções formais e expressivas. Além desses eixos de constituição da obra do diretor, essa longa conversa com mulheres aparece, principalmente, embasando o que vou chamar de uma ética documental no feminino, ou seja, uma forma (antideológica) de conceber a relação entre documentário e as formas de vida de sujeitos ordinários no Brasil. O gesto ousado dessa pesquisa diz respeito a uma virada feminista nas teorias sobre a obra de Coutinho, no sentido de demonstrar – ao lado do corte de classe, raça, etário e espacial -, o gênero como fundamento de uma concepção de cinema que tem as mulheres como referências de saberes que incidem na consolidação do cineasta.
    Acreditamos, como defende Comolli, que nas relações de poder entre quem filma e quem é filmado que atuam no documentário, o documentarista que pensa politicamente seu fazer é aquele que transfere o poder da câmera as pessoas que se postam defronte dela, lhes concedendo tempo e espaço para auto mise-en-scène. Nossa hipótese é de que em Coutinho, essa descoberta se dá no aprendizado sobre a fabulação da experiência a partir do cotidiano mais próximo, portanto da força que a vida privada – concernente à família, à vizinhança, ao doméstico -, que o universo micropolítico das mulheres, tem sobre a elaboração das mazelas sociais e das disparidades políticas do brasil.
    Nesse momento ainda inicial da pesquisa entre as várias possibilidades dessa esfera mais comezinha, escolhemos as temáticas da maternidade e da vida doméstica. A experiencia do ser mãe já é cara a nossos estudos há vários anos, e aqui é fundamental pensar a diversidade e complexidade das formas de maternar que ultrapassam a história normativa patriarcal do mito incondicional do amor de mãe. A questão doméstica aparece muito associada à maternidade, mas também à violência, ao casamento compulsório, às muitas jornadas e à desvalorização do trabalho do cuidado. Tais temáticas, além de fundamentais para o pensamento feminista, atravessam toda a obra de Coutinho justamente porque estruturam a presença e o discurso das mulheres de modo a conformar não só as personagens, mas os documentários do diretor.
    Com objetivo de ir, dos modos como esses temas se constroem na relação com antecampo, ao seu inverso: os modos como uma concepção fílmica “coutiniana” vai se estabelecendo a partir deles, escolhemos obras que compõem os dois momentos metodológicos distintos da filmografia do cineasta: o deslocamento para o espaço das mulheres, e a recepção delas de seu lugar de diretor (de sua cadeira seja no teatro ou numa sala). Pretendemos trabalhar, então, os filmes de espaços delimitados (geralmente vulneráveis ou marginais) como Boca de Lixo (1992) e Babilônia 2000 (2000); e os filmes de espaço neutro (como o palco) Jogo de Cena (2007) e Canções (2011), no intuito de perceber essa constituição do dispositivo no feminino.
    Para Jogo de Cena nossa aposta se volta ao que chamaremos dispositivo de irmandade, um compartilhamento de experiências femininas muito diferentes que entram em colisão e ao mesmo tempo em comunhão através da dinâmica do filme – atrizes que interpretam os testemunhos de vida de mulheres reais. Já em Boca de Lixo nos perguntaremos em que medida não é a condição de mãe o que concede dignidade a essas mulheres que sobrevivem do lixo.

Bibliografia

    COMOLLI, Jean-Louis. COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Minas Gerais, BH: Ed. UFMG, 2008.
    COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2019.
    KAPLAN, Elizabeth Ann. Motherhood and Representation: The Mother in Popular Culture and Melodrama. London and New York: Routledge, 1992.
    LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho – televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004.
    MENDES, Ana C. N. Por um cinema da diferença: um estudo sobre a presença feminina nos filmes de Eduardo Coutinho. TCC-Comunicação Social/FAFICH-UFMG. Belo Horizonte, 2019.
    MESQUITA, Cláudia; SARAIVA, Leandro. O cinema de Eduardo Coutinho: notas sobre método e variações. In: OHATA, Milton (org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 388-399.
    FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa. São Paulo. Elefante: 2017.