Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Catarina Silva Bijotti (UNICAMP)

Minicurrículo

    Mestranda do programa de Multimeios da UNICAMP. Graduada em História pela USP e em Cinema e Audiovisual pela Anhembi Morumbi. Realizou uma Iniciação Científica pela ECA/USP relacionando História e Cinema. Participou da criação e elaboração de artigos para a revista “Câmara Escura”, voltada aos estudantes de Cinema da Universidade Anhembi Morumbi.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema de Adélia Sampaio no contexto da Ditadura Militar no Brasil

Formato

    Presencial

Resumo

    Este painel tem como objetivo discutir o rompimento com a moral conservadora da sociedade brasileira durante a Ditadura Militar no cinema de Adélia Sampaio, com foco no filme “Amor Maldito” (1984). Vendido inicialmente como um filme pornográfico para conseguir chegar aos cinemas, o filme de Sampaio trata, na realidade, de um relacionamento entre duas mulheres e os julgamentos que elas recebem por diferentes partes da sociedade.

Resumo expandido

    Após anos apagada da História do Cinema Brasileiro, Adélia Sampaio foi reconhecida por Edileuza Penha de Souza (2013) como a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil, em 1984.
    O filme “Amor Maldito” trata de um relacionamento entre duas mulheres e os preconceitos que elas sofrem da sociedade brasileira. Após Sueli (Wilma Dias) cometer suicídio no apartamento da ex-namorada, Fernanda (Monique Lafond), esta vai a julgamento acusada de homicídio. O tribunal, entretanto, parece mais interessado em julgar o relacionamento entre duas mulheres do que o possível crime, incluindo a própria família de Sueli, liderada por seu pai, um pastor evangélico, que condena a relação das duas.
    O longa foi realizado em regime de cooperativa e enfrentou diversos osbstáculos até chegar aos cinemas. Sampaio conta que teve o financiamento recusado pela Embrafilme (BRASIL, 2016), e não recebeu apoio financeiro para legendar o filme em inglês e mandá-lo para o maior festival LGBTQIA+ de cinema até então, o Lesbian Gay Fetival, em São Francisco, o qual ela foi convidada. Em seu lugar a Embrafilme enviou “Asa Branca: um sonho brasileiro” (Djalma Limongi Batista, 1981) que, ao contrário do filme de Sampaio, não tem a homossexualidade como tema central da obra, ela é apenas implícita.
    Outro obstáculo do longa-metragem foi o seu lançamento. Mais especificamente o seu lançamento em São Paulo, onde o exibidor sugeriu vender o filme como pornográfico para atrair mais público (BIJOTTI, 2022). Apesar disso, o filme não se encaixa de maneira alguma no gênero. Sua única cena erótica é uma cena onírica em que as duas personagens tomam banho juntas e seus corpos aparecem nus. Tal cena, aliás, sugere a intimidade sexual entre as duas personagens, mas de forma oposta de como o sexo era tratado no cinema no período.
    O cinema de pornochanchada e, posteriormente, o cinema pornográfico inseriu em sua narrativa relacionamentos entre mulheres, mas sem levantar discussão alguma sobre os preconceitos que os casais lésbicos sofriam no período, como sugere a crítica de Cakoff (1984) e o artigo de Cavalcante (2017). O relacionamento de duas mulheres visava apenas o prazer do olhar masculino em cenas eróticas.
    Sampaio se torna também uma pioneira por trazer essa discussão social que era restrita no período. E tal reconhecimento não ficou apenas para os pesquisadores do presente. Durante a produção de “Amor Maldito”, o jornalista Ailton Assis, ao falar sobre o filme que viria a ser lançado trata da cineasta como uma desbravadora: “O filme tem o mérito de derrubar vários estereótipos comuns no cinema brasileiro, o que já se constitui quase uma marca registrada de Adélia” (ASSIS, 1983). Assis se refere aos trabalhos anteriores da cineasta na direção e na produção.
    Em especial destaco o longa-metragem “Parceiros da aventura” (José Medeiros, 1979), filme que tem um elenco de maioria negra, e o curta-metragem “Adulto não brinca” (Adélia Sampaio, 1980), que faz uma crítica ao comportamento de policiais e foi censurado em seu lançamento. O olhar de Sampaio presente nos filmes é importante quando lembramos que ela foi, por décadas, a única mulher negra a dirigir um longa no Brasil. Além disso, não era de classe alta como alguns diretores do período. A diversidade no cinema é importante para criar diferentes ideias, visões e estéticas, além de criar uma conexão com um certo público que certas vezes não se sente representado, fato bem evidenciado por hooks.
    Em seu texto “O olhar opositor: mulheres negras espectadoras” (2019), bell hooks cita a falta de conexão entre as mulheres negras e o cinema hollywoodiano por este, na época, apenas afirmar a supremacia branca, não dando espaço para mulheres negras se conectarem com histórias ou personagens na tela.
    Este painel tem, portanto, o objetivo de evidenciar a transgressão de Sampaio no cinema brasileiro e sua abordagem de temas sociais e crítica à moralidade defendida pelo governo militar presentes em suas obras.

Bibliografia

    ASSIS, Ailton. Amor Maldito, hora e vez do sexo frágil. Tribuna da Imprensa. 06/05/1983.
    BIJOTTI, C. S. A trajetória de Adélia Sampaio no cinema brasileiro (1984-2017): críticas à sociedade conservadora. Epígrafe, v. 11, n. 1, p. 130, 2022.
    BRASIL, Samantha. Debate: Por um cinema negro feminino, 2 dez. 2016.
    CAKOFF, Leon. Antologia do sexo com culpa. Folha de S. Paulo. 17/08/1984.
    CAVALCANTE, Alcilene. Cineastas brasileiras (feministas) durante a ditadura civil-militar. In: HOLANDA, Karla; TEDESCO, Marina Cavalcanti (orgs.). Feminino e plural: mulheres no cinema brasileiro. Campinas, SP: Papirus, 2017, 59-76.
    HOOKS, Bel. O olhar opositor: mulheres negras espectadoras. In Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019, p. 214-240.
    SOUZA, Edileuza Penha de. Cinema na panela de barro: mulheres negras, narrativas de amor, afeto e identidade. Brasília, 2013. 260. Tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Educação. Faculdade de educação. Universidade de Brasília.