Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro de Alencar Sant’Ana do Nascimento (UFBA)

Minicurrículo

    Bacharel e mestre em Cinema e Audiovisual pela UFF, é atualmente Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas na UFBA. É bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).

Ficha do Trabalho

Título

    Ver a imagem na companhia da vítima e de quem vê conosco

Formato

    Presencial

Resumo

    Vemos imagens de violência todos os dias. Elas se repetem. Novas surgem, nos lembram de outras. Um tempo depois, filmes se apropriam delas. Tratam-nas como dadas à apropriação. Mas essa apropriação é enfrentada: há apelos por interdição, questionamentos de natureza ética. A partir de Azoulay (2019), faremos um exercício de ver essas imagens na companhia da vítima e de quem vê conosco, na análise de Auto de Resistência (Natasha Neri e Lula Carvalho, 2018) e A 13ª Emenda (Ava DuVernay, 2016).

Resumo expandido

    Uma imagem surge nas redes sociais, depois na televisão. No final de maio de 2020, todos vimos: um policial branco posicionava seu joelho sobre o pescoço de um homem negro, deitado, que implorava para que lhe fosse dado o direito básico de respirar, o direito a continuar vivendo. Transeuntes gritavam revoltados com a cena. Alguns deles filmavam. Aquele vídeo feito pela adolescente Darnella Frazier circulou. A partir do contato com ele, protestos se espalharam por todo o mundo. Mas não era uma imagem que encaramos como inédita: já havíamos visto imagens diferentes diversas vezes, em épocas e países diferentes: Alan de Souza Lima, Claudia Silva Ferreira, Eric Garner, Oscar Grant, Rodney King e muitos outros tiveram seus espancamentos ou assassinatos cometidos pela polícia filmados e exibidos internacionalmente. E, antes deles, muitas outras vítimas em muitas outras épocas. Há uma história da imagem de violência racista, que remonta às primeiras décadas da fotografia. Essa não é só uma história das vítimas, mas também das imagens das violências que sofreram, da exibição dessas imagens e dos inúmeros tipos de olhares lançados sobre elas.

    Queremos nos debruçar sobre as discussões éticas em torno do uso da imagem de violência racista. Sobre a apropriação (BARON, 2014) da imagem pelo antirracismo em sua dimensão de construção narrativa. Sobre a formulação de diferentes obras que buscam trazer e dar diferentes entendimentos a partir, com ou em torno daquela imagem. Falamos, portanto, de uma apropriação narrativa posterior ao momento inicial de circulação e tomada de conhecimento da imagem e do que ela representa.

    Há diversas questões de natureza ética colocadas à circulação e reprodução de imagens de violência racista, e o que orienta nosso interesse é a própria e mera existência de tais questões. Seguimos o movimento feito por Marcius Freire (FREIRE, 2012) de acessar os postulados de Hans Jonas (JONAS, 2006) para justificar uma abordagem preocupada com discussões éticas colocadas ao cinema documentário (mas que o extrapolam, logicamente). O princípio responsabilidade de Jonas é um apelo por uma ética que leve em conta os riscos que as práticas contemporâneas levam à própria existência humana. Para ele, a mera existência de alertas para tais riscos já é suficiente para que eles sejam levados em conta, porque dizem respeito às condições fundamentais para realização de tais práticas, ou seja, a vida humana. E a tangibilidade dos riscos não precisaria ser clara, visto que “o horizonte relevante da responsabilidade é fornecido muito mais pelo futuro indeterminado do que pelo espaço contemporâneo da ação.” (JONAS, 2006, p.44)

    Dentre todas as questões de natureza ética colocadas como tentativas de interditar a imagem, pensaremos aqui em três. Primeiro, a que diz respeito à representação da vítima, que não autoriza nem pode autorizar a reprodução do vídeo de sua morte. Segundo, a que trata a imagem como potencialmente – e às vezes certamente – traumática (DOWNS, 2016; NASIR, 2020; e DONALDSON, 2020), por diferentes fatores, sobretudo para pessoas negras. Por último, aquela que aponta na circulação e exibição da imagem um risco de fixação na cultura do corpo negro como corpo morto.

    Em nossa apresentação, faremos uma análise da apropriação das imagens de violência policial feitas em Auto de Resistência (Natasha Neri e Lula Carvalho, 2018) e A 13ª Emenda (Ava Duvernay, 2016). Nessa análise, seguiremos a proposta metodológica de Azoulay (2019) e, numa tentativa de desaprender o imperialismo, colocaremos ao nosso lado, como companhias, tanto as vítimas e seus apelos e realidades quanto os diversos alertas pela interdição da imagem, feitos hoje e ontem. O que pode nos ser revelado quando ignoramos discussões sobre legalidade e nos atemos a questões éticas, prestando atenção aos diferentes argumentos colocados? E quando passamos a perceber a vítima na imagem?

Bibliografia

    AZOULAY, A. Potential history: unlearning imperialism. London ; Brooklyn, NY: Verso, 2019.
    BARON, J. The archive effect: found footage and the audiovisual experience of history. London ; New York: Routledge, 2014.
    DONALDSON, Marcus. Why you should never share videos of police violence against Black people. The Arizona Republic.
    DOWNS, K. When black death goes viral, it can trigger PTSD-like trauma. PBS, disponível em: , acesso em 21 abr. 2023.
    FREIRE, M. Documentário: Ética, Estética e Formas de Representação. 1. ed. São Paulo: Annablume, 2012.
    JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto; PucRio, 2006.
    NASIR, N. Images of brutality against Black people spur racial trauma. Associated Press.