Ficha do Proponente
Proponente
- Marcio Blanco (UFMS)
Minicurrículo
- Professor adjunto do curso de Audiovisual da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Doutor e mestre em Comunicação na linha de Tecnologias de Comunicação e Cultura pela UERJ. Graduado em Cinema pela UFF, tendo atuado como professor substituto no curso (2015-2017). Curador e coordenador geral do Festival Visões Periféricas e do Visões Lab, laboratório de desenvolvimento de projetos audiovisuais. Presidente do Fórum dos Festivais (gestão 2022-2024).
Ficha do Trabalho
Título
- Curadoria e a construção da identidade racial na autoria de filmes
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir de uma pesquisa de dois Festivais com recorte racial – o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bubul e o Festival de Cinema e Cultura Indígena (FECCI) – este trabalho investiga como suas curadorias se configuram como instâncias enunciativas das noções de raça contidas na autoria daquilo que se denomina atualmente no Brasil como cinema negro e cinema indígena.
Resumo expandido
- Em seu Panorama dos Festivais/Mostras Audiovisuais Brasileiros, Paulo Luz Corrêa mapeia a realização de 366 eventos realizados em 2022. Trata-se um importante anuário que, desde 2016, mapeia algumas dinâmicas deste que se tornou um imprescindível setor da cadeia produtiva audiovisual nacional. Entre os dados levantados encontra-se o levantamento de um expressivo número (15) de Festivais e Mostras de Cinema e Audiovisual que possuem um recorte curatorial que privilegia a seleção de obras produzidas por realizadores negros e indígenas. A partir de uma pesquisa de dois desses Festivais – o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bubul e o Festival de Cinema e Cultura Indígena (FECCI) – investigo como suas curadorias se configuram como instâncias enunciativas das noções de raça contidas na autoria daquilo que se denomina atualmente no Brasil como cinema negro e cinema indígena.
Em primeiro lugar é preciso afirmar que um cinema definido por uma noção de raça baseada em traços fisionômicos, de fenótipo ou de cor, é algo que não possui respaldo científico. Após a tragédia da segunda guerra houve um esforço por parte de todos os cientistas para abolir a ideia de raça, desautorizando seu uso científico (Guimarães, 2021). Portanto, a noção de raça só pode ser considerada válida como efeito de discurso construído em meio a disputas simbólicas no campo da cultura, tornando-se importante fator de organização política para a resistência e conquista de espaços. Neste sentido, é importante avaliar o surgimento de Festivais com recorte racial como estratégia de visibilização de uma produção que cresce no contexto de um mercado audiovisual dominado por realizadores de origem branca, como revelam os dados da pesquisa feita pela Agência nacional de Cinema (ANCINE), em 2018.
Refletindo sobre as transformações do papel do curador de Festivais e Mostras de Audiovisual, Ikeda (2022) irá afirmar que a curadoria contemporânea é marcada por um gesto de seleção que procura conferir ao evento uma marca distintiva frente a outros eventos do seu campo. Cunha (2009) irá colocar a etnicidade como linguagem, no sentido de permitir a comunicação.
“Pois como forma de organização política, ela só existe em um meio mais amplo (daí, aliás, seu exacerbamento em situações de contato mais íntimo com outros grupos), e é esse meio mais amplo que fornece os quadro e as categorias dessa linguagem (…). Assim, a escolha dos tipos de traços culturais que irão garantir a distinção do grupo enquanto tal depende dos outros grupos em presença e da sociedade em que se acham inseridos, já que os sinais diacríticos devem se opor, por definição, a outros do mesmo tipo” (CUNHA, 2009, Pg. 237 e 238)
Nas curadorias do Encontro Zózimo Bubul e do FECCI tais marcas começam a ser construídas nas finalidades contidas em seus regulamentos : no primeiro, difundir e promover filmes e realizar o intercâmbio entre pessoas realizadoras do audiovisual afro-brasileiro. No segundo, focar nas histórias de coletivos e realizadores de origem indígena.
Como se vê, tais marcas privilegiam a autoria dos filmes selecionados pela curadoria como lugar de distinção. No entanto, um filme só passa a existir a partir do momento em que seu discurso circula no interior da sociedade. Ele afeta e é afetado por essa circulação. O esforço de criação intelectual não está vinculada a uma subjetividade per si, autônoma e restrita a uma personalidade. Embora a legislação atribua um direito moral ao diretor de um filme, esse direito só se configura no interior de um sistema, de seus enunciados. A autoria deve, então, ser avaliada em relação ao sistema onde ela se insere, incluídos os locais por onde circula e os critérios que a legitimam. Os Festivais que são objeto deste estudo cumprem esse papel, o de estimular o surgimento de autores e classificá-los dentro do que se chama atualmente como cinema negro e cinema indígena. Isso se dá, principalmente, por um processo de ratificação que começa na curadoria.
Bibliografia
- ANCINE – Agência Nacional do Cinema. Diversidade de gênero e raça nos longas- metragens brasileiros lançados em salas de exibição 2016. Brasília: Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual: 2018
CORREA, Paulo Luz. Panorama dos Festivais/Mostras Audiovisuais Brasileiros (ed.2022). São Paulo. Disponível em:
https://drive.google.com/drive/folders/1kkwx8OrRUVD6803Sm9ewPUnqmf2zhFPZ
CUNHA, Manuela Carneiro da. Etnicidade: da cultura residual mais irredutível. In: Cultura com Aspas. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2009.
FOUCAULT, Michel. Que és un autor? Córdoba: Litoral, 1998.
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Modernidades negras: a formação racial brasileira (1930-1970). São Paulo: Editora 34, 2021.
IKEDA, Marcelo. Festivais de cinema e curadoria: uma abordagem contemporânea. São Paulo: REBECA – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, São Paulo n.21, v.11, p. 181-202, 2022. Disponível em https://rebeca.socine.org.br/1/article/view/790/509. Acesso em 21 abr.2023