Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcelo Vieira Prioste (PUC-SP)

Minicurrículo

    Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP. Professor universitário desde os anos 1990, atualmente leciona na PUC-SP no PPG Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) e nos cursos de graduação em Design e Comunicação em Multimeios. Membro do grupo de pesquisa CNPq Comunidata, recentemente organizou o livro Redes, Séries e Nós. No doutorado desenvolveu pesquisa sobre o cinema documentário latino-americano com enfoque no cubano Santiago Álvarez Román (1919-1998).

Ficha do Trabalho

Título

    De Pucha Vida a Verde Olivo: as revolucionárias mulheres invisíveis

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação se propõe a discutir como dois curta-metragens, Pucha Vida (Cuba/Colombia, 2007) e Verde Olivo (Cuba, 2017), apresentam mulheres que outrora estiveram engajadas ao processo revolucionário e que hoje, octagenárias, preservam nas memórias o ideário da Revolução. Embora invisibilizadas, ao enfrentarem os efeitos do embargo econômico estadunidense imposto desde o início da década de 1960, foram e são, no desafio do cotidiano, talvez a imagem mais legítima do heroísmo cubano.

Resumo expandido

    Desde a revolução socialista na virada da década de 1960 que o cinema cubano tem colaborado na construção de um panteão heroico socialista a partir de figuras masculinas. Posteriormente, mas nunca com o mesmo destaque, foram sendo incoporadas ao imaginário heróico lideranças femininas, como Haydée Santamaría (1922-1980), Melba Hernandez (1921-2014), Celia Sanchez (1920-1980) e Vilma Espin (1930-2007), integrantes do Movimento 26 de Julho, assim como As Marianas, pelotão que integrava o exército revolucionário (ASSIS, 2023), dentre muitas outras mais. Aqui se propõe a discutir a forma pela qual dois curta-metragens, Verde Olivo (Cuba, 2017) da jovem diretora de origem suiço-salvadorenha Celina Escher e Pucha Vida (Cuba/Colombia, 2007), dirigido por Nazly López Díaz, ambos produzidos pela Escuela internacional de cine y televisión de San Antonio de los Baños (EICTV), reconfiguram esse heroísmo a partir mulheres que outrora estiveram engajadas no processo revolucionário e permanecem fiéis ao seu ideário central, essencialmente socialista e anti-imperialista. Em Verde Olivo, a ex-combatente Teresa, com seu companheiro Orlando, levam seu antigo aparelho de televisão para o conserto para poderem assistir a cobertura da visita do então presidente Barack Obama à Cuba, em Março de 2016. Em Pucha Vida, Rogelia Gómez, a Pucha, uma capesina que auxiliou Fidel Castro em Sierra Maestra, lá ainda vive isolada em um casebre, enlutada pela morte do marido e ausência da neta, que mora fora do país e adquiriu cidadania italiana.
    Em ambos os filmes, o ambiente doméstico extremamente modesto, de parcos recursos, com poucos e degastados objetos, corroídos pelo tempo, revelam as difculdades pelas quais as personagens passaram, sofrendo com resiliência inúmeras dificuldades materiais ao longo de décadas.
    Segundo Silvia Federici, se no sistema capitalista patriarcal o trabalho doméstico feito pelas mulheres, invisibilizado e desvalorizado pela sociedade, é a forma de exploração que o opera e sustenta. Na sociedade cubana, mesmo envolta por preceitos de caráter socialista, efeitos desta exploração também por ali ecoam. Em um artigo publicado originalmente em 1975, a filósofa italiana já identificava que mesmo em nome de projetos pautados por um “interesse de classe unificado”, a esquerda sempre elegeu alguns setores da classe trabalhadora como agentes políticos, enquanto desprestigiou outros:

    Dessa forma, a esquerda reproduziu, em seus objetivos organizacionais e estratégicos, a mesma desunião da classe trabalhadora que caracteriza a divisão capitalista do trabalho. Quanto a isso, apesar da variedade de posições táticas, a esquerda é uma unidade. Quando se trata de escolher os sujeitos revolucionários, stalinistas, trotskistas, libertários, a antiga e a nova esquerda dão as mãos com as mesmas concepções de uma causa em comum (FEDERICI, 2021, p. 16).

    Ao ser profundamente afetada pelo embargo comercial/financeiro estadunidense imposto desde o início da década de 1960, em Cuba as vítimas do capitalismo continuam a serem as mulheres, aquelas que estão à frente da “reprodução diária da vida” a partir do desprestigiado trabalho doméstico.
    Altivas, diante da câmera com plena autonomia sobre seus corpos, permanecem em seus postos reafirmando suas convicções, como diz Rogélia empunhando sua machete: “Nada é incerto, tudo é certo”, ou Teresa, ao dizer que a visita de Obama ao país lhe deixou um sabor amargo: “o tempo diz a última palavra, não confio nos EUA, confio no tempo”.
    Mas por um sentido mais velado, são filmes que denunciam ausências, a cadeira vazia, a caixa repleta de recordações, a janela fechada em luto. Mulheres revolucionárias agora idosas, enquanto a juventude passa distante, seja em uniforme escolar refletidas na tela da TV de Teresa, ou então nas fotografias da neta de Rogélia, exibindo-se sorridente numa piscina para a avó, com bandeiras e chapéus dos EUA.

Bibliografia

    ASSIS, Odete. As mulheres na Revolução Cubana. Disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/As-mulheres-na-Revolucao-Cubana . Acesso em: 19/04/23.
    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.
    EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2019.
    FEDERICI, Silvia. O patriarcado do salário: notas sobre marx, gênero e feminismo. São Paulo: Boitempo, 2021.
    RODRÍGUEZ, Jhonatan F. Gómez. Los imaginarios y últimos días de rogelia gómez: una excombatiente de la revolución cubana desde el cortometraje pucha vida. Revista La tercera orilla, UNAB, Colômbia, n. 22, Julho de 2019. p. 7-17. Disponível em: https://revistas.unab.edu.co/index.php/laterceraorilla/article/view/3693/3092. Acesso em: 19.04.23.
    VILLAÇA, Mariana Martins. Cinema cubano: revolução e política cultural. São Paulo: Alameda, 2010.