Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Pablo Gonçalo (UnB)

Minicurrículo

    Pablo Gonçalo é curador, crítico e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, UnB. É autor dos livros “O cinema como refúgio da escrita: roteiros e paisagens em Peter Handke e Wim Wenders” e “Hollywood de papel: roteiros não filmados de Ben Hecht, Billy Wilder e Frances Marion”. Em 2019 foi Fulbright Visiting Scholar da University of Chicago. Possui publicações em periódicos como Folha de São Paulo, Revista 451, Senses of Cinema e Journal of Screenwriting.

Ficha do Trabalho

Título

    O desejo por outros dramas: contribuições latinas à teoria do roteiro

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Os manuais de roteiro, ou mesmo o recente campo dos estudos de roteiros, costumam abranger concepções de dramaturgia culturalmente delimitadas à tradição anglo-saxã. Esta apresentação visa aglutinar à teoria do roteiro a contribuição de influentes autores como Pier Paolo Pasolini, Augusto Boal, Tomás Gutierrez Alea e Raul Ruiz. A partir de uma desconstrução da Poética de Aristóteles o que eles formularam sugere uma compreensão dramatúrgica mais vasta, dialética e decolonial.

Resumo expandido

    Concebido e difundido como uma peça de controle da produção e realização audiovisual, o roteiro possui as experiências dos estúdios de Hollywood dos anos trinta e quarenta como um marco central do seu surgimento e sua hegemonia mundial. É nesse período que emerge o chamado roteiro blueprint, que prega uma peça dramática detalhada, destinada a otimizar custos dos estúdios e manter diretores e elenco sob a batuta, o cronômetro e as escolhas estéticas já sedimentadas e legitimadas no texto do roteiro. O retrospecto histórico detalhado de como essa concepção se espalhou por estúdios mundo afora ainda é algo a ser realizado. A presença, contudo, de teorias do roteiro – seja nos manuais, ou mesmo no campo dos estudos de roteiro – que naturalizem essa concepção da experiência norte-americana, fortemente arraigada na cultura dramática anglo-saxã, precisa ser contrastada com outras tradições dramatúrgicas que contribuíram com reflexões seminais sobre a escrita e a dramaturgia para as telas.
    Entre os anos sessenta e oitenta, contudo, uma série de inquietações, experimentos, estudos e conceituações tomaram forma por autores de verve latina, ou de engajamento latino-americano. Essas inquietações visavam, sobretudo, desmantelar a hegemonia teórica, retórica e econômica da presença de formas de roteiro vindas de Hollywood e de tradições anglo-saxãs. O italiano Pier Paolo Pasolini é, certamente, um dos primeiros autores cineastas atentos a revisar a prática da escrita às telas a partir de um viés estético alheio ao pragmatismo anglo-saxão. Em O Emperismo Herege, Pasolini não elabora apenas uma célebre distinção entre “cinema de prosa” e “cinema de poesia”, ele também formula, de maneira impactante, que o roteiro é uma estrutura que quer ser outra estrutura. Na perspectiva de Pasolini, portanto, o roteiro deixaria de ter uma “ontologia” estanque, e seria sempre suscetível a futuras transformações. Compreendemos que essa aposta do devir-roteiro em devir-filme é também cara à dramaturgia cinematográfica de Pasolini, que compõe personagens ao estilo figural, influenciadas pela poética e teologia medieval de Dante Alighieri, nas quais a plenitude das personalidades só se completa postumamente. (Auerbach; Agamben).
    Em 1975, o brasileiro Augusto Boal publica o Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas. Vindo de estudos na Columbia University, tendo John Gassner como tutor, o livro também resulta do périplo de experiências com o teatro popular e de base que Boal realizou no Peru, no Brasil e na França. Embora esteja focado na arte dramática, tendo o palco, a rua e os atores como seus principais vetores, Boal realiza uma das mais enfáticas desconstruções já escritas sobre a Poética, de Aristóteles. Para Boal, toda a concepção de personagem e catarses é, segundo ele, fruto direto da realidade escravocrata inerente à cultura da democracia da Grécia antiga. As formas contidas na Poética, amplamente disseminadas à cultura dramática do ocidente, não conseguiriam ultrapassar as dinâmicas entre senhor e escravo, entre personagens que possuem o direito à história e indivíduos destituídos de personalidade e possibilidade de atuação civil ou dramática.
    Escritos nos anos oitenta, os livros de Tomás Gutierrez Alea e Raul Ruiz são as suas colaborações de raiz latino-americana mais atentas ao cinema e ao roteiro. Preocupado com a naturalização de um espetáculo burguês, o cubano Tomás Gutierrez Alea realça as estratégias de montagem e estranhamento vindas de Sergei Eisenstein e Bertolt Brecht, para mostrar como um cinema socialista, popular e revolucionário, poderia interpelar o espectador de outras formas, diferentes às consolidadas por décadas de hegemonia hollywoodiana. O chileno Raul Ruiz fará uma minuciosa desconstrução da chamada “teoria do conflito central”. Recorrendo à teologia judaica, cristã-medieval, à teoria dos jogos, Ruiz defenderá formas dramáticas calcadas na ludicidade, na irracionalidade, na imprevisibilidade e na fragmentação.

Bibliografia

    ALEA, Tomás Gutierrez: A dialética do espectador. Summus Editorial, 1984

    BOAL, Augusto: O teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Editoria 34, 2019.

    GONCALO, Pablo: Hollywood de papel: roteiros não filmados de Ben Hecht, Billy Wilder e Frances Marion. Zazie, 2022.

    PASOLINI, Pier Paolo: O roteiro como estrutura que quer ser outra estrutura. Trad. Alex Calheiros, Revista Esferas, Ano 11, V. 2, maio-agosto de 2021, p.17-27

    RUIZ, Raul: Poéticas del cine. Sudamericana, 2001.