Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Camilo Soares (UFPE)

Minicurrículo

    Professor de Cinematografia na UFPE e doutor pela Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Publicou L’espace Immatériel dans le cinéma de Jia Zhangke – une politique du regard (L’Harmattan, 2020). É diretor de fotografia de filmes como King Kong en Asunción (Vencedor do Festival de Gramado de 2020). Também co-dirigiu e fotografou o longa documentário Muribeca (2020) e o curta Céu de Lua, Chão de Estrelas (2022, Prêmio do Concurso de Roteiro Rucker Vieira da Fundação Joaquim Nabuco).

Ficha do Trabalho

Título

    Entre técnica e sensibilidade: Uma possível História da Cinematografia

Seminário

    Estética e plasticidade da direção de fotografia

Formato

    Presencial

Resumo

    Como pensar a evolução da direção de fotografia tal qual uma extensão da história do cinema e, consequentemente, da história da arte? A observação do progresso técnico é inevitável, mas não pode restringir a compreensão da cinematografia apenas como fabricante maquinal de matéria bruta para filmes, sem avaliá-la também como imprescindível resposta às novas sensibilidades, além de artífice de valores e significados dados às imagens de uma época.

Resumo expandido

    Na presente proposta, pretendemos refletir sobre a evolução da direção de fotografia como possível extensão da história do cinema e, consequentemente, da história da arte, evitando, contudo, cair na armadilha de considerar apenas o progresso da tecnologia que envolve a captação de imagens cinematográficas. Seria até um caminho legítimo e, sem dúvida, importante para a compreensão de uma área de grande especificidade técnica. No entanto, uma abordagem puramente tecnicista limitaria a compreensão da cinematografia apenas ao viés de fabricante de matéria bruta para filmes, sem avaliá-la também como artífice de valores e significados dados às imagens de uma época.
    O caminho técnico traçado pela cinematografia é, não obstante, fundamental para a observação histórica dessa arte e da própria evolução da profissão de diretor de fotografia. O conhecimento dessas ferramentas físicas (câmera, lentes, dolly, luzes, etc.) e métodos conceituais (quadro, iluminação, cor, movimento, textura, ambientação e ponto de vista) é, segundo Blain Brown, inerente ao ofício da cinematografia. No entanto, ele sublinha que, ao contrário do teatro, o cinema se faz sempre através de mediação, implementando novos significados ao registro do real:

    “Na verdade, se você for um cineasta que só quer que a câmera registre a ‘realidade’, irá ignorar algumas das possibilidades mais poderosas da fotografia. Alguns desses métodos têm a ver com a adição de subtexto visual às cenas.” (Brown, p. 14)

    É bem verdade que, desde a sua invenção, esses progressos técnicos aproximaram o cinema da experiência da realidade. Gombrich lembra que vivenciou pessoalmente tais inovações:

    […] ainda em idade escolar, assistia a filmes cujos diálogos tinham de ser lidos na tela entre as sequencias de ação. Mais tarde, experimentei a emoção […] dos primeiros ‘filmes falados’ […]. Depois vieram o ‘fantástico technicolor’ e as diversas experiências com filmes em três dimensões. Enquanto isso, é claro, a evolução técnica na criação de ilusões avançou muito mais. (Gombrich, p. XVI)

    Essa mimese da experiência real foi sem dúvida a força inicial do cinema (e, antes, da fotografia). Mas, limitar o cinema apenas à ilusão técnica acaba o reduzindo a um mero produto industrial, e à cinematografia a um simples ofício de operador de máquinas, capaz de registrar sem dificuldade o mundo como ele é. Essa interpretação acaba gerando menosprezando o valor expressivo e artístico do cinema, mesmo sendo também inegavelmente uma atividade industrial. Isso já aconteceu com a fotografia, já repreendida por Baudelaire por matar a imaginação artística (BAZIN, 1985; BENJAMIN, 1985). O próprio Gombrich demonstra desprezo equivalente ao cinema, reduzindo-o a uma incontornável escravidão de sentidos: “O filme explora a deficiência, ou lentidão, da visão para nos fazer ver movimento onde há apenas uma sucessão de fotogramas. Não temos de mobilizar a imaginação; somos vítimas passivas, embora voluntárias, de uma ilusão incontornável” (GOMBRICH, p. XVI).
    Como resposta a tais preconceitos, buscamos refletir sobre a História da cinematografia como modalidade do fazer humano que não separa a evolução técnica de reproduzir a experiência do mundo com a mediação capaz de criar subtextos visuais dessa mimese. Nesse âmbito, considera-se que a evolução técnica não responde apenas a um desejo comercial da indústria do entretenimento, mas também adequa-se a mudanças de sensibilidades de uma época, ao passo que, por sua vez, também modifica essas mesmas formas do sensível. Por fim, as imagens que produz vão além de uma representação preguiçosa do real, ao aguçar, através dos filmes aos quais dão corpo, um olhar mais apurado e contemplativo sobre nossa vivência no mundo. Essa pedagogia do ver, significa para Nietzsche simplesmente “habituar os olhos ao descanso, à paciência, ao deixar-aproximar-se-de-si” (apud HAN, 2017). O que é uma boa definição de cinematografia.

Bibliografia

    BAECQUE A. de et DELAGE C. (dir.), De l’histoire au cinéma, Paris, IHTP/ CNRS/ Éditions complexe, 1998.

    BAZIN, André. Qu’est-ce que le cinéma ?, t. I, 2e ed. Paris: Cerf, 1985.

    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

    BROWN, Blain. Cinematografia: Teoria e prática. São Paulo: Elsevier Técnico, 2012.

    D’ALLONNES, Fabrice Revault. La luz en el cine. Madrid: Editora Cátedra, 2008.

    GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão. Trad. Raul de Sá Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007)

    HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço, trad. Enio Paulo Giachini. 2ª ed, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2017.

    RANCIÈRE Jacques, La fable cinématographique. Éditions du Seuil: Lonrai, 2001.