Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    marcella ferrari boscolo (UAM)

Minicurrículo

    Marcella Ferrari Boscolo é mestra em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (PPGCOM-UAM), graduada em Jornalismo pela Universidade Nove de Julho. Possui especialização em Marketing Digital pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado e em Comunicação e Cultura de Moda pelo Centro Universitário Belas Artes. E-mail: marcellaferrari.jor@gmail.com.

Coautor

    tatiana giovannone travisani (UAM)

Ficha do Trabalho

Título

    Cinematic VR – a experimentação como práxis em Rio de Lama

Formato

    Presencial

Resumo

    Pretendemos desenvolver uma discussão sobre a experimentação do ofício do cinema no campo da realidade virtual, por meio da análise do processo criativo do curta documental Rio de Lama (Tadeu Jungle, 2016), pioneiro do gênero para esse formato no nosso país, sobre o crime ambiental na cidade de Mariana (MG). Para tanto, empreendemos a revisão teórica sobre esse novo domínio do cinema expandido e entrevistamos o diretor do filme.

Resumo expandido

    Há, na realização contemporânea de documentários para realidade virtual, uma característica primária de retorno para o cinema, oriunda da ausência de guias consolidados de filmagem de live action para os cenários 360º, a qual impõe aos realizadores mais um componente essencial no fazer fílmico para o novo meio que ainda não é cinematograficamente, nem socialmente, apreendido, o de testar elementos inteiramente novos, encarnando, nas palavras de Comolli, o “cinema como práxis” enquanto de estratégia de filmagem. “O imperativo de como filmar, central no trabalho do cineasta, coloca-se como a mais violenta necessidade: não mais como fazer o filme, mas como fazer para que haja filme” (Comolli, 2008 p. 169).
    Tricard (2018) define como cinematic VR (realidade virtual cinemática, em tradução livre), a categoria das narrativas imersivas gravada com câmeras 360°, em que espera-se que o público “olhe em volta”, um affordance que o coloca no centro da história e influencia diretamente a produção fílmica.
    O filme Rio de Lama (Tadeu Jungle, 2016) foi gravado com um conjunto de seis câmeras GoPro, dispostas em uma estrutura cúbica que permite a captura da cena em 360º, um método complicado de filmagem, uma vez que cada câmera tem de ser operada à distância, separadamente e sem feedback visual imediato:
    Fizemos vários testes. Qual a distância ideal da câmera para o assunto? E a altura? A câmera sempre é o olho do público. O primeiro filme eu fiz todo na raça, eu só imaginava o que estava sendo filmado, não vi nada do material … A tensão era muito grande, pois, se depois do plano feito, a gente descobrisse que uma das câmeras não filmou a cena, não dava para saber em que momento tínhamos que regravar. (Jungle, 2022, p.71)
    A trajetória de Tadeu Jungle na experimentação audiovisual começa nos anos 80, com o grupo TVDO, responsável por experimentos anárquicos e radicais em vídeo. Segundo ele (Jungle, 2007, 204), a ideia do TVDO era: “ a metalinguagem obsessiva. Revelar todos os poros. Usar o erro como verbo de ação. Antropofagia ilimitada. A câmera na olho (sic) sendo nosso modo de traduzir Vertov”. Ele aponta o caráter experimental das produções: “nada que se possa chamar de documentário. Nem de videoarte. Nem de matéria jornalística. Ali havia realidade, ficção, acasos, erros, transformados em linguagem (…) Somos o que somos, inclassificáveis” (Jungle, 2007, 205).
    Voltando a Rio de Lama (2016), o curta registra o retorno dos moradores da vila ao que restou do espaço após o rompimento da barragem, mesclando seus depoimentos às falas em over do diretor. Jungle conta que partiu para a região com o objetivo de registrar uma tragédia. À medida que foi conhecendo as pessoas, verificou que suas falas sobre a cidade que já não existe é que levariam o público à dimensão virtual da memória no filme:
    Primeiramente, você está num lugar muito forte, que não existe mais, inclusive. É irrecuperável (…) Os depoimentos eram sempre sobre como a cidade era maravilhosa, a comunidade era maravilhosa. Ai, eu entendi que o filme era sobre isso, a memória doce dessas pessoas. (…) Esse foi o caminho que usei para fazer o Rio de Lama e acho que foi muito acertado. (Jungle, 2022 p.72)
    O processo experimental explica a montagem do filme usando prioritariamente imagens de cobertura com depoimentos em off em que o som dita o tempo das cenas, o chamado efeito clipe (Julier e Marie, 2009).
    Podemos observar que o processo criativo em VR não está estabelecido enquanto método único, permitindo uma abertura a explorações mais livres tanto da praxis tecnológica quanto dos resultados sensoriais, poéticos e até políticos. Há, na hibridização do cinema com a realidade virtual um convite a experimentar o mundo e questionar o que entendemos por realidade. Em Rio de Lama, é a união dos relatos dos moradores de Bento Rodrigues, em contraposição direta à situação de terra arrasada da vila, que estimula a fruição da experiência fílmica em 360º como território de alteridade

Bibliografia

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. In: CAIXETA, Rubem, GUIMARÃES, César (Org). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
    JULLIER, Laurent; MARIE, Michel. Lendo as imagens do cinema. São Paulo: Editora Senac. 1ª edição. 2009.
    JUNGLE, Tadeu. Vídeo e TVDO: anos 80. In: MACHADO, Arlindo (Org). Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Editora Iluminuras, 2007.
    JUNGLE, Tadeu. Anexo 2 – Entrevistas. In: BOSCOLO, Marcella Ferrari. O cinema documentário sob o risco da realidade virtual. SP: Universidade Anhembi Morumbi. 2022.
    TRICART, C. Virtual Reality Filmmaking: techniques & best practices for VR Filmakers. New York: Routledge, 2018.