Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Ilma Carla Zarotti Guideroli (Unifesp)

Minicurrículo

    Doutoranda em História da Arte pela Unifesp com a pesquisa “Arte e política da imagem e da montagem: um percurso no cinema de arquivo de Angela Ricci Lucchi e Yervant Gianikian” (bolsa Capes). Mestre em História da Arte pela mesma instituição com a dissertação “Natureza Morta, de Susana de Sousa Dias: políticas e ritornelos da imagem” (2020). Mestre em Artes Visuais pela Unicamp com a dissertação “Entre mapas, entre espaços: itinerários abertos” (2010).

Ficha do Trabalho

Título

    Vestuário e produção de diferenças em dois filmes de Lucchi/Gianikian

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Formato

    Presencial

Resumo

    O trabalho analisará trechos dos filmes “Imagens do Oriente – Turismo Vândalo” (2001) e “País Bárbaro” (2013), dos realizadores italianos Angela Ricci Lucchi e Yervant Gianikian, no que diz respeito às vestimentas sob o seguinte argumento: se as roupas podem servir tanto como marcadores de diferenças quanto acentuadores de homogeneização, mostraremos como a montagem insere torções em ideais ocidentais fortemente colonialistas de subjugação, tais como as noções de civilização e progresso.

Resumo expandido

    A produção fílmica dos realizadores italianos Angela Ricci Lucchi (1942-2018) e Yervant Gianikian (1942) se dá por meio da apropriação e intervenção em materiais de arquivo, sobretudo da primeira metade do século XX. Há aí filmes que trazem fortemente a violência colonialista e racista. Por meio de um aparato por eles construído denominado câmera analítica, realizam minuciosas análises dos fotogramas e executam variados procedimentos de montagem, fazendo com que camadas politicamente invisibilizadas possam emergir e assim constituir outras narrativas.
    “Imagens do Oriente – Turismo Vândalo” (2001, 62’) foi produzido a partir de registros de uma viagem de um grupo da burguesia italiana à Índia no final dos anos 1920. Trata-se do recém-inaugurado “turismo de elite” a locais que vinham sofrendo processos de colonização. Os realizadores mostram detalhadamente as movimentações, olhares e posturas dos turistas e dos indianos, gestualidades que mostram os evidentes e variados contrastes entre a população local e os “visitantes”, tudo acentuado pelas vestimentas. As mulheres e homens europeus vestem roupas condizentes com a moda ocidental da época, e que se mostram bastante inadequados em diversos momentos. Já entre os indianos é possível perceber as claras distinções entre cargos e classes sociais pelos trajes, que vão das autoridades que usam roupas ornamentadas às camadas mais pobres com vestes bastante modestas, passando pelos garçons uniformizados que servem os turistas. Mesmo quando europeus e indianos estão muito próximos entre si, tratam-se de mundos que não se tocam, tampouco se misturam, o que expressa certo segregacionismo. Em direção similar, a escritora Grada Kilomba (2019, p. 168) nos aponta o exemplo das luvas enquanto fronteira simbólica responsável por separar o mundo branco do mundo negro, tanto pelo medo branco de um suposto contágio racial quanto para evitar que certos privilégios brancos sejam tocados.
    “País Bárbaro” (2013, 68’) por sua vez aborda nuances do fascismo italiano, sobretudo em relação às chamadas guerras coloniais na África Oriental. Concentra-se nos acontecimentos ocorridos entre 1926 e 1937 na Líbia e na Etiópia, período em que os países foram invadidos pelo comando de Mussolini. O bloco intitulado “Um feriado, Itália, 1926” trata de um suposto “novo espírito” de colaboração entre indústria e classe operária a serviço da guerra na Líbia. Jovens operárias da têxtil Singer chegam em diversos ônibus a um banquete onde comem, bebem, dançam e se divertem. Entretanto, a animada celebração contrasta com o tom dramático da voz feminina que lê uma carta enviada a um soldado italiano na Líbia por sua noiva. Em dado momento, ela menciona as vestimentas dos líbios em tom de ridicularização – “Você diz que é muito engraçado como essas pessoas estão vestidas” -; mas o que vemos são freiras com chapéus exagerados e estranhos. A forma como é tecida na montagem a relação entre o que se ouve e o que se vê revela ironia, em uma reversão de quem de fato é “muito engraçado”.
    Já no bloco “Os anos 30 na Itália: Desfiles militares e civis do regime”, são exibidas imagens de desfiles com crianças, jovens e soldados uniformizados. Entre as diversas estratégias adotadas pelo regime fascista para enaltecer a ideia de pátria e de nação, a uniformização apresenta-se como um ponto de destaque. Para os realizadores, trata-se tanto de uma “questão de aparência” quanto do símbolo da obediência e colaboração com a política fascista. As imagens em negativo acentuam essa perversidade, uma vez que desfiguram e homogeneizam ainda mais os uniformizados. De acordo com o escritor João Bernardo (2022, p. 9), o fascismo fazia uso dos uniformes e fardamentos para dar a falsa impressão de fusão de todo o povo, com o objetivo de confundir em uma aparência hegemônica tanto oposições de classe quanto diferenças de estatuto. Vestir-se da mesma maneira era uma estratégia bastante eficaz para incutir e acentuar ideais como nação e raça.

Bibliografia

    BERNARDO, João. Labirintos do fascismo: Fascismo como arte. São Paulo: Editora Hedra, 2022.

    BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução: Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

    COCCIA, Emanuele. A vida sensível. Tradução: Diego Cervelin. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2010.

    ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Volume 1: Uma história dos costumes. Tradução: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar,

    GIANIKIAN, Yervant; LUCCHI, Angela Ricci. Notre caméra analytique: Mise en catalogue des images et objets. Paris: Ed. Post-éditions/ Centre Pompidou, 2015.

    INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Tradução: Fábio Creder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

    KILOMBA, Grada. Memórias da plantação – Episódios de racismo cotidiano. Tradução: Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

    MICHAUX, Henri. Um bárbaro na Ásia. Tradução: Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.