Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Michelle Cunha Sales (UFRJ/ UNICAMP)

Minicurrículo

    Professora Associada da UFRJ do Programa de Pós Graduação em Multimeios da Unicamp

Ficha do Trabalho

Título

    Cenas de guerra, memórias do trauma: o imaginário colonial nos filmes

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação pretende analisar o filme moçambicano Uma Memória em três atos, (2016) de Inadelso Cossa em relação com o de Ruy Guerra, Mueda, memória e massacre (1979). Inadelso, ao reviver e revisitar os locais de tortura e os palcos de guerra, cristaliza imagens do trauma em cenários de ruínas que o filme de Ruy só poderia entrever.

Resumo expandido

    Esta comunicação pretende analisar os filmes Uma Memória em três atos, (2016) de Inadelso Cossa em relação com o filme de Ruy Guerra, Mueda, memória e massacre (1979). Separados por várias décadas, ambos os filmes põem em perspectiva a inscrição de uma memória do colonialismo e da guerra colonial baseada em diferentes registros, desde imagens de arquivo, teatralização e entrevistas de testemunhas/sobreviventes. Ambos os filmes problematizam as formas de inscrição de uma memória/história de uma experiência do trauma, questionando as formas possíveis de representação da violência a partir de uma contravisualidade. Mueda, memória e massacre, o primeiro longa-metragem de ficção moçambicano, é considerado, segundo Raquel Schefer (2011)“ uma reconstituição cinematográfica do Massacre de Mueda (…)” além de um filme que funda “na ausência de imagens de arquivo, a memória cinematográfica do acontecimento”. O Massacre de Mueda é tido como um dos últimos episódios de resistência contra o colonialismo português antes do início da Guerra Colonial em Moçambique (1964) e da formação da FRELIMO. O filme de Ruy Guerra, lançado em 1979, já produzido pelo Instituto Nacional de Cinema Moçambicano corresponde, também por isso, na fundação do próprio cinema nacional daquele país recém independente e tratou, para além da filmagem da reconstituição dramática do Massacre de Mueda, de entrevistas feitas com as testemunhas sobreviventes do massacre. De acordo com Schefer (2011) o filme de Ruy problematiza as noções de documentário e ficção, pois “Em Mueda…, encontramos dois regimes de expressão em conflito – o documentário e a ficção -, dois sistemas complementares de organização do perceptível e de determinação do representável” fazendo corresponder, segundo a autora, que este filme implica também no “desejo de fundação político-estética das formas cinematográficas do novo país” capaz de corresponder ao projeto político revolucionário da FRELIMO, ou seja, na fundação de uma contravisualidade anti-colonial através do cinema. Já o filme de Inadelso Cossa, Uma Memória em três atos, consiste numa narrativa baseada em primeira pessoa, organizada em três atos, uma tentativa de buscar compreender, a partir de recortes de jornal, imagens de arquivo e das narrativas dos sobreviventes, as formas de organização popular, base de constituição da FRELIMO, e de resistência contra o colonialismo português. Ao contrário do filme de Ruy, feito no calor dos acontecimentos que instauraram não apenas o novo país independente, mas também o próprio cinema, o filme de Inadelso Cossa parece partir em busca de micro-narrativas e experiências singulares, perspectivas divergentes e visões contraditórias da experiência do colonialismo e do trauma pós-colonial. Como outros registros de artistas contemporâneos de Inadelso Cossa, Uma Memória em três atos problematiza a história do colonialismo relacionando-o ao momento pós-colonial e de independência no qual muitos países africanos, como Moçambique, experienciaram uma guerra civil. Inadelso, ao reviver e revisitar os locais de tortura e os palcos de guerra, cristaliza imagens do trauma em cenários de ruínas que o filme de Ruy só poderia entrever.

Bibliografia

    SALES, M. Cinema negro português. Avanca, Cinema, 2019.
    SCHEFER, R. Mueda, Memória e Massacre, de Ruy Guerra, o projeto cinematográfico moçambicano e as formas culturais do Planalto de Mueda. Comunicação e Sociedade, vol. 28, 2015, pp. 27 – 51
    __________. O NASCIMENTO DE UMA IMAGEM Mueda, Memória e Massacre, de Ruy Guerra (1979).Buala. 2011. Disponível em: https://www.buala.org/pt/afroscreen/o-nascimento-de-uma-imagem-mueda-memoria-e-massacre-de-ruy-guerra-1979