Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Patrícia Mourão de Andrade (Unicamp)

Minicurrículo

    Pós doutoranda no Departamento de Multimeios, da Unicamp, com bolsa Fapesp. É doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo, com bolsa sanduíche na Columbia University.

Ficha do Trabalho

Título

    Lygia Pape e Mário Pedrosa: diálogos interrompidos

Formato

    Presencial

Resumo

    A comunicação volta-se para três projetos malogrados envolvendo encontros entre duas figuras centrais para a história cultural e política brasileira: a artista visual e cineasta Lygia Pape e o intelectual de esquerda e crítico de arte Mário Pedrosa. Datados de 1959, 1970 e 1977, Brasília, Brasil pt saudações e Alegria de viver, alegria de criar também pontuam três momentos emblemáticos da história do país na segunda metade do século XX: o ápice da utopia desenvolvimentista, representada pela

Resumo expandido

    A comunicação se debruça sobre três projetos malogrados envolvendo encontros entre duas figuras centrais para a história cultural e política brasileira: a artista visual e cineasta Lygia Pape e o intelectual de esquerda e crítico de arte Mário Pedrosa. Datados de 1959, 1970 e 1977, “Brasília”, “Brasil pt saudações” e “Alegria de viver, alegria de criar” também pontuam três momentos emblemáticos da história do país na segunda metade do século XX: o ápice da utopia desenvolvimentista, representada pela inauguração de Brasília; o recrudescimento da ditadura militar, pós promulgação do AI-5; e o início da abertura, com a anistia e o retorno de vários intelectuais exilados ao Brasil.
    Tivesse sido realizado, o projeto de 1959, um curta de Pape sobre a construção de Brasília, seria o primeiro filme feito por uma artista no país – o início oficial desta história será adiado para 1967, quando ela lança “La Nouvelle Création”. Em “Brasília”, a futura capital federal seria vista como uma forma erguendo-se de um plano pelo trabalho organizado de uma coletividade de operários. O roteiro ecoa o entusiasmo de Mário Pedrosa pelo projeto de Lúcio Costa, o qual via como uma obra de arte coletiva e a remodelação utópica do mundo. Pedrosa organizara, também em 1959, na cidade ainda em construção, o Congresso Extraordinário de Críticos de Arte, para o qual compareceram nomes da estirpe de Giulio Carlo Argan, Meyer Shapiro e Romero Brest. Não se sabe se roteiro de Pape foi concebido para o congresso, mas é improvável que não tenha sido estimulado pela troca com Pedrosa, que tinha, naquela época, enorme influência intelectual sobre todo o grupo neoconcreto do qual a artista fazia parte.
    Dez anos depois, quando a utopia representada por Brasília não era mais que poeira nos coturnos dos militares, Pape filma Pedrosa quando ele está escondido na Embaixada do Chile a espera do salvo conduto para o exílio. Desse projeto, nunca finalizado, sabe-se pouco mais que seu título: “Brasil, pt saudações”.
    Por último, em 1977, ano de retorno do crítico ao Brasil, ele e Pape trabalham juntos no planejamento de uma exposição que ainda contou com a consultoria de Darcy Ribeiro, Eduardo Viveiros de Castro e Claudia Andujar, entre outros. Chamada “Alegria de viver, alegria de criar”, a exposição, cancelada já em estágio avançado de preparação por causa do trágico incêndio que devastou o MAM-Rio e 70% de seu acervo, teria sido a primeira grande mostra de arte indígena do Brasil. O projeto também previa a realização de um documentário a ser rodado em vários territórios indígenas.
    No ano seguinte, em 1978, Pape encerra seu ciclo mais fértil no cinema com Catiti Catiti, um xadrez de Palmeiras, uma paródia antropofágico-dadaísta dos relatos de descobrimento do Brasil. Entre 1967 e 1978, foram 15 filmes marcados por uma rara liberdade para transitar entre temas, estilos e linguagens. Esse período também compreende a primeira fase das experimentações dos artistas com mídias audiovisuais, quando figuras como Hélio Oiticica, Antonio Manuel, Antonio Dias e Anna Maria Maiolino orientaram parte de sua energia criativa para a realização de filmes. No final da década, a arte brasileira e as incursões de artistas com o audiovisual tomam outros rumos. No campo das artes, vê-se um retorno à pintura e o fortalecimento do mercado; no das experimentações audiovisuais, uma maior inclinação para a investigação metalinguística da mídia ou um diálogo crítico com a televisão.
    Esta comunicação retorna àqueles três projetos não realizados para propô-los como moldura e baliza para uma história do filme de artista. Ao fazê-lo, coloca-se as seguintes questões: O que a não realização dos projetos diz do estado da cultura brasileira e como pensa-la a partir do que, por forças da história, não pôde vir a ser? É possível uma história a partir do que não existiu? E, por último, como falar do que não existiu e como ver o que existiu pelo filtro do que não chegou a nascer?

Bibliografia

    MATTAR, Denise. Lygia Pape, Perfis do Rio. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
    PEDROSA, Mário.” Brasília, a cidade nova”. In: Arantes, Otília (org.), Acadêmicos e Modernos: Textos escolhidos III / Mario Pedrosa, São Paulo, EDUSP, 1998, p 389-404. _____________. “Reflexões em torno da nova capital”. In: AMARAL, Aracy (org.). Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981.
    ______________ .“Utopia: obra de arte”. In: Amaral, Aracy (org.), Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo, Ed Perspectiva, 1981, p 317-320.
    PAPE, Lygia. Espaços imantados. Rio de Janeiro: Projeto Lygia Pape, 2004.
    ____________. Gávea de Tocaia. São Paulo: Cosac Naify, 2000.
    ____________. Lygia Pape. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
    ___________. Lygia Pape ‐ Entrevista a Lúcia Carneiro e Ileana Padilla. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.