Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Maciel Guimaraes Junior (Unicamp)

Minicurrículo

    Professor e pesquisador (Instituto de Artes – Unicamp) em História e Estética do Cinema e Audiovisual, autor de Helena Ignez, atriz experimental (Sesc Ed., 2021), em coautoria com Sandro de Oliveira. Desenvolve pesquisa sobre estudos atorais e teorias dos gêneros cinematográficos .

Ficha do Trabalho

Título

    Abramovic encontra Callas : notas sobre a atuação melodramática

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir da videoinstalação Seven Deaths of Maria Callas, de Marina Abramovic, pretende-se discutir os parâmetros da atuação do melodrama na obra em que a performer retoma cenas de morte interpretadas na ópera pela soprano. Se a noção de gênero é algo que imediatamente cria um quadro conceitual para o sentido da atuação na tela (Cornea, 2017), o melodrama das óperas serviria de manancial infindável para os procedimentos corporais do gênero cinematográfico, retomados aqui por Abramovic.

Resumo expandido

    A discussão sobre gêneros cinematográficos e parâmetros de atuação está longe de ser uma das mais desenvolvidas nos meios acadêmicos internacional e brasileiro. No entanto, segundo Christine Cornea, “se há algo que imediatamente define ou cria um quadro conceitual para o sentido da performance na tela é, seguramente, a noção de gênero” (2017, p. 6). Ou seja, a delimitação pelo viés da escolha genérica de uma obra audiovisual impõe ao trabalho do ator uma série de parâmetros de jogo, postura corporal e uso da voz. O ator deve, portanto, seguir esses parâmetros, de maneira consciente ou intuitiva, para que a classificação genérica se concretize na obra.

    Partindo desse princípio, nos propomos a investigar como as bases da atuação melodramática da ópera são retomadas, e catapultadas a um enorme grau de comunicabilidade e intensidade semiótica, na série de curtas metragens que compõe a videoinstalação Seven Deaths of Maria Callas (2021) dirigido e atuado por Marina Abramovic. O som que se ouve é, claro, as árias das peças eternizadas na voz da soprano greco-americana, não necessariamente dos momentos em que as personagens morrem nas narrativas operísticas, mas dos momentos mais emotivamente elevados.

    Abramovic, mundialmente conhecida por suas intervenções em museus e por obras de body art, se declara fã de Callas há muito tempo – embora possa parecer estranho o distanciamento e cerebralidade das propostas artísticas de Abramovic perto do envolvimento emocional, quiçá catártico, face às performances de Callas. Abramovic usa de recursos essencialmente cinematográficos (o ralentamento temporal, o close, a fotogenia do corpo e rosto) para reler, algumas vezes bem livremente e com certo grau de anacronismo, mortes de protagonistas femininas famosas interpretadas por Callas nos palcos : a Desdêmona e Madame Butterfly de Giacomo Puccini; a Carmen de Bizet, entre outras. O corpo de Abramovic funciona assim como um repositório do gestual melodramático dessas personagens não pela via da mimesis direta das atuações de Callas (o meio sendo diferente, seria um exercício de estilo vago), mas pelo modo da superinflação semiológico-gestual que o meio cinematográfico pode propiciar. Como num efeito de lupa, o gestual codificado pelas óperas clássicas aparece aqui dilatado temporal e espacialmente, centrando o interesse do filmes na formação de um compêndio do jogo melodramático no cinema.

    As situações representadas por Abramovic vão desde mortes acidentais àquelas provocadas pela própria personagem (suicídios não faltam em óperas clássicas). Algumas delas incluem arroubos de fúria, situações-limites e momentos sacrificiais, temas amplamente difundidos na estética do melodrama teatral e cinematográfico. Os filmes se nomeiam a partir do uso de objetos expressivos em cena (Naremore, 2014, p.101) : a faca, o espelho, o fogo, a cobra, que trazem com eles todo um arcabouço de manipulações e usos inerentes à expressividade das situações em que são usados.

    Partindo do princípio que o estilo melodramático está nos antípodas do modo realista (Baron, 1993, p. 48), Christine Gledhill defende que o melodrama, em oposição aos momentos realistas, “trabalhou de maneira consciente na reinvenção da realidade construída por meio de discurso, imagens e criações simbólicas” (1993, p. 131)”. A obra de Abramovic se inscreve assim na linhagem da construção do gesto não-realista (ou hiperestilizado, artificial, dilatado) marcando bem a distância do código histriônico em oposição ao código verossímil (Pearson, 1992, p. 22)”. São as modalidades dessa atuação histriônica colocada em perspectiva histórica que essa comunicação pretende enfocar.

Bibliografia

    BARON, Cynthia. « Tales of sound and fury reconsidered. Melodrama as a System of Punctuation ». Spectator 13, no. 2, 1993, p. 48.
    COONFIELD, Gordon. “Marina Abramović Made Me Cry”: performance and presence
    work in the affective economy”. Text and Performance Quarterly 2019, Vol. 39, n. 4, 305–321.
    CORNEA, Christine. Editor’s Introduction. In CORNEA, Christine (org.). Genre and Performance: film and television. Manchester : Manchester University Press, 2010, p. 1-17.
    GLEDHILL, Christine. “Between melodrama and realism: Anthony Asquith’s Underground and King Vidor’s The Crowd”. In GAINES, Jane. (org.). Classical Hollywood Narrative. The Paradigm Wars. Durham and London: Duke Univ. Press, 1992, p. 131-133
    NAREMORE, James. Acteurs : le jeu de l’acteur de cinema (1990). Rennes : Presses Universitaires de Rennes, 2014.
    PEARSON, Roberta E. Eloquent gestures. The Transformation of Performance Style in the Griffith Biograph Films. Berkeley: University of California Press, 1992, p. 22.