Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Carolina de Oliveira Silva (Unicamp)

Minicurrículo

    Carolina de Oliveira Silva é doutoranda do PPG em Multimeios da UNICAMP, mestra em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e bacharel em Comunicação Social RTV (UAM). É membro do Grupo de Pesquisa GENECINE (Grupo de Estudos Sobre Gêneros Cinematográficos e Audiovisuais) e faz parte do corpo editorial da Revista Zanzalá. Atualmente, desenvolve pesquisa sobre as personagens femininas no cinema de ficção científica brasileiro, é roteirista e professora de fotografia (FPA).

Ficha do Trabalho

Título

    TOMEM SEUS LUGARES À MESA! Sobre a lesbiandade na FC brasileira

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Este artigo pensa a lesbiandade nos filmes Bacurau (2019), Medusa (2021) e Mato seco em chamas (2022), partindo da hipótese de que tal recorte, entremeado às produções que flertam com a ficção científica, podem promover diferentes elaborações sobre a “estraga-prazeres feminista” (AHMED, 2020). Assim, utilizo autoras que dialoguem com a in/visibilidade lésbica no cinema (BRANDÃO; SOUSA, 2019) e as representações femininas na FC brasileira (GINWAY, 2005).

Resumo expandido

    Este trabalho nasceu da insatisfação diante do desenlace do filme As filhas do fogo (1978) de Walter Hugo Khouri, que flerta com as narrativas góticas e a ficção-científica, apresentando personagens femininas lésbicas que, de maneira misteriosa, são engolidas pela natureza.
    No inventário proposto por Suppia (2007) sobre a FC brasileira, As filhas do fogo é um filme que se afasta do gênero, embora subsista no tratamento “cientificcionalizado” da paranormalidade. Assim, ao explorar as personagens femininas de uma perspectiva interseccional, qual seria o lugar das personagens lésbicas que não fosse um destino fatal?
    A partir de tal questionamento, o paradoxo da in/visibilidade lésbica no cinema passa a fazer parte da pesquisa. Como aponta Brandão e Sousa (2019), essas imagens ora operam à margem da heteronormatividade, ora promovem uma ausência que necessita decodificação e, por tal razão, a busca por personagens lésbicas tornou-se latente em filmes que flertam com a FC, gênero por si só de difícil explanação (BETZ, 2011). Contudo, tais narrativas, se tratadas a partir da abrangência da literatura especulativa (CAUSO, 2003), podem promover diálogos com o horror e a fantasia, trazendo à tona a ideia da lésbica gótica (PALMER, 2004), que prevê figuras perturbadores, disruptivas e que rejeitam as convenções atribuídas às mulheres em meio a uma economia heterossexual.
    Nessa perspectiva, a figura da lésbica gótica poderia ser atualizada para a da estraga-prazeres feministas (AHMED, 2020), tendo em vista as personagens lésbicas em filmes como: Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Medusa (2021) de Anita Rocha da Silveira e Mato seco em chamas (2022) de Joana Pimenta e Adirley Queirós – obras com recortes distópicos que, em diferentes futuros, angariam pessoas que lutam contra a felicidade heteronormativa, promovendo nas estraga-prazeres-lésbicas “um projeto de conhecimento, um projeto de criação de mundo” (AHMED, 2020, p. 90).
    Ao reunir personagens como Domingas (Sônia Braga) – a única médica da cidade de Bacurau, Michele (Lara Tremouroux) – a líder das “Preciosas de Cristo” e Léa (Lea Alves da Silva) – a narradora da história das gasolineiras da favela do Sol Nascente (elegida para a análise) – a hipótese é de que essas mulheres, a partir do método de constelação fílmica (SOUTO, 2020), apresentam suas histórias do ponto de vista das rejeitadas, apresentando personagens complexas e potentes. Em Bacurau, uma cidade do sertão brasileiro desaparece do mapa e a defesa do inimigo deve ser feita pela população, nesse contexto a médica auxilia a população ao mesmo tempo em que sofre com o alcoolismo. Em Medusa, a perseguição contra mulheres não-religiosas é liderada por uma jovem devota que, ao descobrir o amor pela melhor amiga e sofrer com a violência masculina, passa a buscar sua liberdade. Em Mato seco em chamas, a cidade é governada por um grupo de mulheres, dentre elas, uma prisioneira que se tornará heroína do povo. Tais mulheres não apenas apresentam as instâncias da vida lésbica, mas questionam “o que o cinema pode fazer a partir da figura lésbica” (BRANDÃO; SOUZA, 2019, p. 279).
    Se em um primeiro momento contabilizamos a presença lésbica nas distopias brasileiras, em seguida analisamos suas trajetórias. As personagens ocupam seus lugares na grande mesa da FC, contudo, como estranhas, alienígenas e dissidentes, essas mulheres existem para desestabilizar a ordem dos que estão nela reunidos. As três ameaçam não só a perda de seus próprios assentos à mesa, mas o prazer de quem está sentado: Domingas é uma mulher sem família de sangue, Michele rejeita o matrimônio tão sonhado e Léa retorna da prisão mais uma vez. Para além das ambiguidades asseguradas pelas representações de mãe e meretriz (GINWAY, 2005) e ao considerar outros marcadores de diferença como a sexualidade e a classe, a categoria de mulher lésbica abrirá, portanto, outras possibilidades de existência para os mundos imaginados pela FC.

Bibliografia

    AHMED, S. Estraga-prazeres feministas (e outras sujeitas voluntariosas). Eco-Pós, v. 23, n. 3, p.82-102, 2020.
    BETZ, P. M. The Lesbian Fantastic: A Critical Study of Science Fiction, Fantasy, Paranormal and Gothic Writings. North Carolina: McFarland & Company, 2011.
    BRANDÃO, A. S.; SOUSA, R. L. de. A in/visibilidade lésbica no cinema. In: HOLANDA, Karla (org.). Mulheres de cinema. Rio de Janeiro: Numa, 2019.
    CAUSO, R. de S. Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil (1875 a 1950). Belo Horizonte: UFMG, 2003.
    GINWAY, E. M. Ficção científica brasileira. São Paulo: Devir, 2005.
    PAULMER, P. Lesbian Gothic: Genre, Tranformation, Transgression. Gothic Studies, vol.6, p.118-130, 2004.
    SOUTO, M. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, n. 45, set-dez, p.153-165, 2020.
    SUPPIA, A. L. P. de O. Limite de Alerta! FC em atmosfera rarefeita – Uma introdução ao estudo de FC no cinema brasileiro e em algumas cinematografias off-Hollywood. Tese de Doutorado, Unicamp, 2007.