Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Iury Peres Malucelli (Unespar)

Minicurrículo

    Mestrando do Programa de Pós-Graduação – Mestrado Acadêmico em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) – da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Curitiba II/Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Pela mesma instituição, é bacharel em Cinema e Audiovisual. Membro do grupo de pesquisa Eikos (Unespar/PPG-CINEAV/CNPq). Atua em atividades artísticas no meio do cinema e audiovisual, com participação em equipes de realização de filmes, festivais e cineclubes.

Ficha do Trabalho

Título

    O reverberar do corpo opaco na imagem do suicídio em Aftersun (2022)

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir do ato de cruzar imagens (SAMAIN, 2012) propõe-se a reflexão sobre a imagem do suicídio no filme Aftersun (2022) e sua relação gestual com outra obra que não encena o ato diretamente: Bom Trabalho (1999). A aproximação leva em conta a existência da recorrência formal em certas representações da morte de si, percebida em obras como a pintura Le Suicidé (1877). Utilizam-se recursos de análise fílmica, bem como o diálogo com pesquisadores da imagem (Samain, 2012; Didi-Huberman, 2013).

Resumo expandido

    O suicídio, enquanto fenômeno atrelado ao corpo, é objeto de representação constante na História da Arte ocidental. Da antiguidade grega (BROWN, 2001, p. 25) até a obra contemporânea de Andy Warhol (ibid., p. 210) imagens da morte de si abundam, despontando em diferentes períodos como representações de heroísmo, pecado, desespero e melancolia, presentificadas na visualidade de figuras humanas que, por opção, colocam fim à própria vida. De obras que retratam Ájax, Judas e Lucrécia até os corpos anônimos em Manet e Warhol, recorre a insistência histórica: o suicídio, fenômeno envolto em silêncios estigmatizantes, é algo a ser visto.
    É pensando na morte de si como um fenômeno multiforme amplamente presente nas artes que surge a necessidade de investigar sua presença, também, no cinema. Não enquanto matéria isolada, mas como parte do todo: acreditando que o cinema faz parte desse fluxo de imagens, e que o interesse em encenar o suicídio no cinema não é distante dessa mesma pulsão nas outras artes.
    Isso nos traz a um ponto importante: este trabalho leva em conta a recorrência, a repetição de gestos – busca nas imagens o que as levam para fora de si, fazendo-as retornar afetadas, já que são “por natureza, poços de memórias e focos de emoções” (SAMAIN, 2012, p. 22). Ou seja, imagens remetem a outras imagens, gestos em temas comuns como que reencarnam, fazendo parte de uma “história de fantasmas” (ibid., p. 57) das formas.
    Introduzida a problematização inicial, o objetivo deste trabalho é refletir acerca da representação do suicídio no filme Aftersun (Charlotte Wells 2022), levando em conta a relação gestual com outra obra que opta por não encenar o ato de maneira direta: Bom Trabalho (Claire Denis, 1999). A opção pelo invisível, pelo não visto do ato, se entrevê em cenas específicas próximas ao final dos filmes: a morte de si torna-se clara com as marcas carregadas pelos corpos na composição visual das cenas, por carregarem, conscientes ou não desse peso, um gesto alusivo ao suicídio na postura da figura humana.
    Este fator “alusivo” das imagens do suicídio nos dois filmes é o que habilita a aproximação entre eles, bem como entre um conjunto maior de obras: surge aí uma recorrência que atravessa séculos em certas imagens da morte de si no Ocidente. São semelhantes às representações de Aftersun e Bom Trabalho alguns notórios trabalhos, como a gravura histórica Suicídio do Marquês de Condorcet (1743-1794) em sua prisão em Bourg-Egalité (Alexandre-Évariste Fragonard, 1794), as pinturas O Suicídio (Alexandre Gabriel-Decamps, 1836), Chatterton (Henry Wallis, aprox. 1850) e O Suicídio (Édouard Manet, 1877), e o filme Suicídio do Coronel Henry (Georges Méliès, 1899).
    Partindo do pensamento do antropólogo e estudioso das imagens Etienne Samain (2012), o método constituído para análise desse conjunto é o ato de “cruzá-las”, aproximando seus campos gravitacionais. Na perspectiva de Samain, as imagens não seriam “apenas atos e fatos, mas ainda […] lugares de memórias (lembranças, sobrevivências, ressurgências), revelações de tempos passados, de tempos presentes” (SAMAIN, 2014, p. 53). Nesse sentido, a disposição aproximativa de imagens em que despontam recorrências formais é um caminho analítico para que se aponte a ressurgência, a potência, a origem e o caminho desses gestos.
    Se “a psique deixa vestígios na história, abre caminho e deixa sua marca nas formas visuais (DIDI-HUBERMAN, 2014, p. 190), a hipótese é de que Aftersun, em relação profunda com Bom Trabalho e as outras obras citadas, faz reverberar uma marca particular na história da representação do suicídio. Ecoa um passado imagético, ainda que sem a encenação do ato em si, trazendo à tona e reformulando a imagem do homem que, a sós, põe fim à própria vida no ambiente recluso do quarto. Contemplar esse persistente ressurgimento nos ajuda a compreender a obra dentro de um fluxo histórico de imagens, enquanto também aponta para a especificidade evocativa de seu ato encenador.

Bibliografia

    BROWN, Ron M. The Art of Suicide. Londres: Reaktion Books Ltd, 2001.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente – História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
    ILG, Ulrike. Painted Theory of Art: “Le suicide” (1877) by Édouard Manet and the Disappearance of Narration. Artibus et historiae, vol. 23, nº 45 (2002), p. 179 – 190.
    KRYSINSKA, Karolina. Suicide and the Arts: From the Death of Ajax to Andy Warhol’s Marilyn Monroe. In: STACK, Steven; LESTER, David (orgs.). Suicide and the Creative Arts. Nova Iorque: Nova Science Publishers, Inc., 2009. p. 15 – 47.
    SAMAIN, Etienne. (org). Como Pensam as Imagens. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2012.
    SAMAIN, Etienne. Antropologia, Imagens e Arte. Um percurso reflexivo a partir de Georges Didi-Huberman. Cadernos de Arte e Antropologia, vol. 3, nº 2/2014, p. 47 – 55.