Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Kvacek Betella (UNESP)

Minicurrículo

    Professora assistente doutora MS3.2 na FCL-UNESP-Assis, área de Língua e Literatura italiana. Mestre e doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP), com pós-doc no IEB-USP. Atuação voltada para os estudos das relações entre Literatura, História e Audiovisual, no âmbito da coordenação da área de italiano no Departamento de Letras Modernas e no programa de pós-graduação de sua unidade, na linha de pesquisa Literatura Comparada e Estudos Culturais.

Ficha do Trabalho

Título

    Utopia e barbárie numa das trilogias possíveis de Vladimir Carvalho

Formato

    Presencial

Resumo

    O país de São Saruê (1979), Conterrâneos velhos de guerra (1992) e Barra 68 – sem perder a ternura (2001) representam etapas simbólicas de uma história pessoal. A unidade reside nas evidências das lutas de classes, dos deslocamentos e dos espaços utópicos como registros da memória coletiva. Assim como visualizamos a dilatação do caráter panfletário na trilogia, apostamos na densidade das relações entre o homem, a terra e as utopias nas múltiplas relações no universo poético do cineasta.

Resumo expandido

    O país de São Saruê (1971, lançado em 1979), Conterrâneos velhos de guerra (1992) e Barra 68 – sem perder a ternura (2001) podem ser elementos-chave na filmografia do cineasta pernambucano Vladimir Carvalho na medida em que representam, grosso modo, etapas simbólicas de uma trajetória pessoal por meio das imagens documentais. É possível pensar numa unidade para a trilogia quando utilizamos como vieses de análise as evidências das lutas de classes, dos deslocamentos e dos espaços utópicos como registros da memória coletiva. Podemos considerar os três longas representativos dos espaços e tempos percorridos, vividos e mapeados nos documentários do cineasta. Destacamos, na análise imanente dos planos mais significativos, a densidade das relações entre o homem, a terra e as utopias sob uma orientação declaradamente antiutópica, permeada de ironia, sem necessariamente adotar formatos ou conteúdos distópicos. Assim, o documentário inspirado no título de cordel que descreve um paraíso fantasioso e encantatório reconstrói o espaço fronteiriço entre Paraíba, Pernambuco e Ceará para mostrar as dificuldades de sobrevivência. Observamos, para além da releitura do poema de cordel num resultado com imagens realistas do sertão, um diálogo com a poesia nordestina em forma renovada, inserida no filme com nova autoria e referências. O primeiro longa do diretor representa, ainda, importante prolongamento de um ciclo de curtas-metragens nascidos no berço do documentário paraibano dos anos de 1960. O exame da trilogia leva em conta, sobretudo a partir daqui, a dimensão panfletária ao repensar o caráter de denúncia e a construção de um discurso politizado sobre os fatos documentados. Conterrâneos pertence ao espaço do Planalto Central, retoma os curtas produzidos desde a transferência de Vladimir Carvalho para esse espaço e aborda o deslocamento dos trabalhadores da construção de Brasília sob o contraponto entre a visão utópica dos idealizadores da capital e a realidade dos operários, na absoluta maioria nordestinos. O filme retorna à época do nascimento da capital federal para reconstituir um suposto massacre de operários pela memória de entrevistados e a tentativa de apagamento do episódio da história. Realizador e personagens interagem à luz de uma pauta investigativa, localizada no episódio de 1959. Barra 68 retorna a outro espaço-tempo muito específico, circunscrito à criação da Universidade de Brasília encarnada na perseverança de Darcy Ribeiro (1922-1997) e às tentativas de destruição da instituição, desde o golpe militar de 1964, a invasão de 1968 (que resultou em centenas de estudantes detidos e na exoneração de quase todo o corpo docente) e a dura repressão de manifestações em 1977. Ao organizar sua própria filmografia em trilogias ou tetralogias, Vladimir Carvalho não somente demonstra o gosto pelas interrelações, mas aponta para várias combinações possíveis, deixando para o espectador novas possibilidades de leitura, quanto mais explora o olhar do documentarista. Ao afirmar que todo documentário tem muito de autobiográfico, o próprio diretor esboça os elos que nossa análise fortalece entre os dois tipos de memória correspondentes às experiências pessoais e à vivência coletiva, nas palavras de Michael Pollack (1989), ao papel das “memórias subterrâneas das culturas minoritárias ou dominadas que se contrapõem à memória oficial que afloram em momentos de crise”.

Bibliografia

    CARVALHO, V. Conterrâneos velhos de guerra. Brasília: GDF, Sec de Cult e Esporte, Fund.Cult DF, 1987.
    CARVALHO, V. (org,). O País de São Saruê. Brasília: Ed. UNB, 1986.
    FISHMAN, R. Urban Utopias in the Twentieth Century: E. Howard, F. Lloyd Wright, Le Corbusier. London: MIT Press, 1982.
    HOLSTON, J. Cidade Modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
    MARINHO, J. Dos homens e das pedras: o ciclo do cinema documentário paraibano. Niterói: EDUFF, 1998.
    MARQUES, F.C.A. O país de São Saruê;: um correlato da Cocanha medieval no sertão nordestino. II SINALEL: Linguagem, História e Memória.
    NAGIB, L. A utopia no cinema brasileiro. Matrizes, nostalgia, distopias. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.
    NICHOLS, B. A voz do documentário. In: RAMOS, F.P. Teoria contemporânea do cinema: documentário e narrativa ficcional. São Paulo: Senac, 2005.
    POLLAK, M. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro v. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.