Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    TAIS A S NARDI (ECA-USP)

Minicurrículo

    Taís Nardi é Mestre em Audiovisual pelo Programa Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP (2017) e cursa seu doutorado no mesmo programa desde 2018. Possui graduação no Curso Superior do Audiovisual também pela USP (2007). Trabalha desde 2002 como diretora de fotografia e desde 2011 dirige a produtora Cigano Filmes. Desde 2017 é coordenadora e professora dos cursos livres de Direção de Fotografia da Bucareste – Ateliê de Cinema (SP).

Ficha do Trabalho

Título

    O efeito intensificador da direção de fotografia

Seminário

    Estética e plasticidade da direção de fotografia

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta apresentação discute como a direção de fotografia colabora com a acentuação da intensidade narrativa no filme de ficção. Parte-se da análise de cenas de Anjos da Noite (Wilson Barros, 1987) e Terra Estrangeira (Daniela Thomas e Walter Salles, 1995) para demonstrar a existência de diferentes tipos de contribuição da imagem na intensificação narrativa: ora por meio da identificação com as sensações dos personagens e ora na explicitação do comentário do narrador sobre a ação destes.

Resumo expandido

    Esta apresentação discute diferentes maneiras pelas quais a direção de fotografia colabora com a intensificação da narrativa no filme de ficção. Para tanto, parte da análise de cenas de grande intensidade de Anjos da Noite (Wilson Barros, 1987) e Terra Estrangeira (Daniela Thomas/Walter Salles, 1995).
    A intensidade narrativa é diretamente associada ao nível do conflito de cada momento da obra, segundo Bruce Block. Para ele, os conflitos carregam o filme adiante ao serem compreendidos pelo público, que reage com menor ou maior força dependendo da intensidade dos choques que estes causam na história. Choques estes que podem ser potencializados pela construção imagética das cenas. Em Terra Estrangeira, por exemplo, é a morte da mãe de Paco que chacoalha a realidade em que ele vive e o lança nas aventuras da história. Na cena, há uma grande variação entre planos abertos e closes. A iluminação oscila com as luzes dos faróis que entram pela janela. A luz da TV tremula no rosto da angustiada senhora, como deve estar tremendo todo seu corpo por dentro. Ela morre do coração. Essas imagens são bem diferentes das anteriores no apartamento: o contraste dos tons é maior, a luz é mais dura, as composições são mais precisas. Esta diferença aumenta a intensidade visual da cena, que reflete a intensidade da situação dentro da história.
    No entanto, com as cenas selecionadas, visamos demonstrar que a direção de fotografia também consegue acentuar a intensidade de cenas mais leves, que ganham potência narrativa em grande parte por conta de suas construções visuais. Geram-se assim momentos chaves no filme, que não podem ser definidos como conflitos de acordo com os critérios de Block. Nesses casos, a direção de fotografia trabalha com a atmosfera das cenas, gerando sensações recebidas de maneira menos racional. Como exemplos, escolhemos então cenas que não movem diretamente a história, ou seja, não geram informações novas para seu desdobramento, mas exercem grande força sensorial no público.
    É o caso do banho de Paco em Terra Estrangeira, no qual a imagem procura traduzir visualmente o desespero do rapaz que chora sob o chuveiro declamando um texto teatral. O plano começa desfocado, ressaltando a textura e as linhas da imagem. A câmera se aproxima do rosto de Paco e ficam nítidas as gotas de água que escorrem misturadas às lágrimas. Cria-se um grande efeito de angústia, que envolve o público nos sentimentos de Paco. Esta cena não traz informação nova para o filme, pois fecha uma grande sequência de cenas que mostram o desamparo do rapaz. Mesmo o texto declamado foi apresentado ao público anteriormente. No entanto, trata-se de um momento de grande intensidade narrativa impulsionado pela exacerbação visual que decorre da subjugação da imagem às sensações do personagem.
    A cena analisada de Anjos da Noite tem ainda menos conflito: Teddy e Marta Brum dançam sob o vão do Masp, como se estivessem em um musical americano. Já estamos no fim do filme e a cena marca o ponto alto da narrativa antes da resolução. A atmosfera é de harmonia entre os personagens, mas as diferenças na imagem e no estilo de mise-en-scène com o resto do filme intensificam sua recepção. Aqui, a potência da cena se dá como explicitação do comentário do narrador aos estados dos personagens. Um narrador que manipula explicitamente as informações que divide com o público e que aqui, por meio de um exagero visual deliberado (inclusive com o uso de refletores em quadro) dá força à uma cena leve e quase desconectada do andamento geral do filme. É, portanto, uma maneira de intensificar a narrativa que chama atenção para uma perspectiva narrativa externa.
    Trata-se então de duas maneiras diferentes de intensificar a narrativa pela imagem: uma por meio da identificação com as sensações dos personagens, um efeito de expressão; e outra que se baseia na explicitação do comentário de um narrador sobre a ação destes, um efeito de narração. Ambas possíveis em cenas sem grandes conflitos narrativos.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução: Estela do Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. Campinas: Papirus, 1993.
    BLOCK, Bruce. The Visual Story: creating the visual structure of film, TV and digital media. Oxford: Elsevier: Focal Press (2008).
    CARDINAL, Roger. O Expressionismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
    CALHADO, Cyntia. Intensidades da imagem: experiência estética no cinema – análises críticas a partir de Walter Salles. Tese de doutorado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2018
    PUCCI JÚNIOR, Renato Luiz. Cinema brasileiro pós-moderno: o neon-realismo. Porto Alegre: Sulina, 2008.
    SMITH, Murray. Engaging characters: Fiction, Emotions and the Cinema. Nova York: Oxford University Press Inc., 1995.