Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Irene de Araújo Machado (USP)

Minicurrículo

    Professora Livre-Docente em Ciências da Comunicação pela USP. Mestrado em Comunicação e Semiótica (PUC) e Doutorado em Teoria Literária (USP). Docente dos PPGs-USP Meios e Processos Audiovisuais e Estética e História da Arte. Coordenadora do Convênio ECA-UNIPALMARES e do GT Comunicação e Experiência Estética (Compós). Bolsista CNPq-PQ1D com o Projeto de Pesquisa: Imprevisibilidades estéticas do Cinema Negro.

Ficha do Trabalho

Título

    Ontologia das vidas pretas em experimento audiovisual de Arthur Jafa

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    O estudo é uma introdução ao debate sobre as concepções de ontologia da negritude apresentadas no filme-ensaio Dreams are colder than Death (2013), do multiartista Arthur Jafa, parte de sua investigação sobre Black Aesthetics. Para isso, examinamos como premissas discursivas traduzidas em procedimentos audiovisuais evidenciam formas de opressão produzidas pelos movimentos diaspóricos, perpetuando a segregação racial e negando o exercício dos direitos civilizatórios universais da humanidade.

Resumo expandido

    O estudo tem por objetivo introduzir o debate sobre a controvertida concepção de ontologia negritude nas experiências estéticas que o multiartista afro-americano Arthur Jafa realizou no experimento audiovisual Dreams are colder than Death (2013), esteio de sua investigação sobre Black Aesthetics.
    Para isso, o foco da análise se concentra nos depoimentos fílmicos de: Hortense Spillers que relata experiências dolorosas da perda de familiares que atingiram profundamente seu ser e se instalaram em seu corpo como uma vivência da morte em sua própria carne; Fred Moten que introduz os caminhos crítico-teóricos que dimensiona o viés ontológico perseguido por Jafa; e Saidiya Hartman situa as formas de convívio na segregação racial de cidades estadunidenses – cenário de toda a reflexão.
    Ainda que muitos outros interlocutores componham o coro de vozes fílmicas, o presente ensaio foi estruturado na análise crítica e na tradução das ideias e acontecimentos em imagens visuais. O objetivo é compreender como Jafa materializou em seu experimento uma antiga inquietação, conforme sua afirmação: “o que nos propusemos a investigar diz respeito às implicações da abordagem que focaliza a ontologia da negritude do ponto de vista da morte e não do ponto de vista da vida.” (Jafa, 2016, p. 18).
    Como hipótese central, o estudo parte da premissa de que o filme experimenta ideias nas formas audiovisuais que enunciam performances dialógico-polifônicas de discursos com diferentes contrapontos. Com isso, apenas os discursos ganham materialidade audiovisual como também as entoações convertem a sonoridade acústica em princípio construtivo da audiovisuailidade. Tal tratamento sonoro modeliza uma ressonância acústica de caráter disruptivo, na formulação de Moten (2008, p. 189). Ao carregar na entoação fônica da voz toda a intensidade dramática do relato, o experimento não só conjuga audiovisualmente as críticas articuladas dos discursos construídos com palavras, mas também concentra nas performances audiovisuais as bases da ontologia da negritude em pauta: as rupturas que as diversas diásporas das gentes pretas imprimiu nas vidas, nos corpos e na sensibilidade das vidas pretas. Em última análise, é como pulsação encarnada que o filme explora o caráter ontológico das vidas pretas. O caminho analítico da argumentação leva ao entendimento de que, por mais que os depoimentos estejam organizados numa partitura de vozes harmônicas, os relatos sobre a segregação racial, encarnado nas peles e nas vozes discursivas, geram contrapontos que irrompem em conflitos de pontos de vista. Impossível ignorar os esforços mútuos de artista e crítico em vencer desafios. Por um lado, Jafa procura traduzir na materialidade fílmica o trauma da carne; por outro, Moten é desafiado a dimensionar os caminhos crítico-teóricos instaurados na experiências estética negra. Como ele afirma: “Estou interessado no que acontece quando consideramos a materialidade fônica de tal esforço apropriativo. Ou, para invocar o trabalho e as formulações de Saidiya Hartman e divergir dela, me interessa a convergência da pretitude e do som irredutível da performance necessariamente visual na cena da objeção.” (Moten, 2023, p. 27). Para tratar dessa relação entre os diferentes cruzamentos discursivos da dramaturgia audiovisual, a abordagem orienta-se pela tripla focalização: o conceito Blackness como um objeto de estudo performado pelas vidas das gentes pretas; (ii) a distinção entre o objeto e o objetivo dos Black Studies; (iii) as controvérsias da condição humana encarnada na diáspora e na segregação racial como forma de combate ao racismo. Na conclusão, infere-se que em Dreams o paradoxo ontológico das vidas das gentes pretas no convívio com a morte se aproxima daquilo que Moten entende como ser-para-a-morte (2008, p. 178) – sequela da segregação racial e do racismo fundado na cor, ambos frutos de forças políticas de opressão a impedir o pleno exercício dos direitos civilizatórios universais da humanidade

Bibliografia

    BUTLER, J. Corpos em aliança e a política das ruas. RJ: Civilização Brasileira, 2018.
    FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDFBA, 2008.
    GLISSANT, E. Le discours antillais. Paris: Gallimard, 1997.
    HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Eco-Pós, v. 23, n.3, 2020.
    HOOKS, B. Pertencimento. Uma cultura do lugar. SP: Elefante, 2022.
    JAFA, A. Black Ontology and the Love of Blackness. Liquid Blackness, v. 3, n. 6, 2016.
    MOTEN, F. Na quebra: a estética da tradição radical preta. SP: Crocodilo; n-1, 2023.
    _______. “Ser prete e ser nada (misticismo na carne)”. In: BARZAGHI, C. et al. (orgs.). Pensamento negro radical: antologia de ensaios. SP: Crocodilo; n-1, 2021.
    _______. The Case of Blackness. Criticism , v. 50, n. 2, 2008.
    SOBCHAK, V. Carnal Thoughts. Embodiement and moving image culture. The California University Press, 2004.
    SPILLERS, H.J. Black, White, and in Color. Essays on American Literature and Culture. The University of Chicago Press, 2003.