Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Laís de Lorenço Teixeira (UNICAMP)

Minicurrículo

    Laís de Lorenço Teixeira, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Multimeios – Unicamp (Bolsista FAPESP), Mestra pela mesma instituição (Bolsista CAPES). No mestrado desenvolveu a pesquisa relacionada a diretoras latino-americanas e suas personagens femininas nos documentários em primeira pessoa. No doutorado, analisa a inscrição subjetiva do eu em documentários que constroem memória por meio do espaço e de materiais de arquivo.

Ficha do Trabalho

Título

    Construção de memória de mulheres no documentário latino-americano

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Formato

    Presencial

Resumo

    Os documentários latino-americanos contemporâneos agregam obras que se constroem baseados em “eus” narrativos de mulheres. A busca pela memória pessoal e familiar é demarcada pela relevância política e de gênero. Com Silvia (María Silvia Esteve, 2018, Argentina/Chile) e Hija (María Paz González, 2011, Chile), objetivo delinear linhas de força (temáticas e linguagem) dessa produção, com objetivo de compreender melhor como se sustentam no campo expressivo subjetivo atual.

Resumo expandido

    A produção documental latino-americana contemporânea articula subjetividade de modo a envolver a vida pessoal, pública e social de seus realizadores e protagonistas. Chamo de documentários do eu as expressões em que diversas formas de narrativas documentais se relacionam, refletindo diferentes possibilidades: autobiografia, ensaio e expressão do eu. Neste cenário, a produção de diretoras mulheres desponta, o que impõe refletir sobre os motivadores, diferenciais e características que conjugam nessas obras. Portanto, meu questionamento está em delinear linhas de força que indiquem para temáticas, recursos estéticos e de linguagem e uma dinâmica política que fundamentam e motivam essa produção.
    Hija de María Paz González, 2011 (85 min.), Chile e Silvia de María Silvia Esteve, 2018 (103 min.), Argentina/Chile são documentário em que as diretoras, em conjunto com familiares, constroem suas memórias. Na primeira obra, através de uma viagem pelo Chile, mãe e filha-diretora, buscam conhecer suas origens, em uma família que não inclui figuras masculinas. Na segunda, filha-diretora reconstrói a vida e imagem de sua mãe, Silvia, auxiliada não apenas por um acervo iconográfico familiar, como de relatos de suas irmãs, em uma construção sonora que joga com as origens enunciadoras.
    Ao partilhar a constituição de si e da outra no filme, essas mulheres se constituem enquanto eus narrativos nas obras, mobilizam memórias, atualizando-as e organizando suas narrativas de vida. Esboço como motes nestas obras, a relação entre mãe e filha, ou compartilhada entre mulheres com relações de intimidade, que possibilita a construção conjunta do filme, ou seja, ao passo que se narra sobre a outra, diz-se de si. Emprego “mulheres” (RILEY, 1988) por se tratar de uma categoria não unificada, que entrevê as múltiplas possibilidades de existência, em constante mudança, que abarca a possibilidade de inconstância e diferença no coletivo.
    O gênero contribui nesta pesquisa devido a identificação de um contingente de produção de autoria feminina, o que implica na reflexão do porquê desta proeminência. Neste caso, o debate tende a não encontrar motivos sólidos, delegando à questão tecnológica e de necessidade expressiva, o que pende a esmaecer o debate. Desse modo, priorizo delinear linhas de força com intuito de investigar de que forma se estabelece essa produção de si feminina atada às formas de expressão de memória que os documentários apresentam. Ao atualizarem seus passados em suas produções audiovisuais acenam para temáticas específicas de uma vivência marcada por gênero: relações filiais (pais ausentes, violência de gênero, negligência), o que extrapola o domínio privado dos eventos, e as coloca – em consonância com as práticas políticas atuais – no debate público.
    A memória, pelos rastros do passado, em movimento direcionado a atualização presente dos eventos (SEIXAS, 2002), não cessa de refletir politicamente, efetivando a construção de si. São trabalhos que “remetem a memória não como fixa, mas em sua dimensão atual, inventiva, mutante e (re)significante da experiência vivida e da elaboração de si, que juntas apontam para a possibilidade de constituição do político no âmbito do pessoal” (VEIGA, 2016, p. 195). Destaco como recursos fílmicos que possibilitam essa invenção: o uso de materiais de arquivo, narração, visitas a lugares de relevância em suas narrativas; dessa forma é pela articulação da linguagem documental que constitui o documentário como local de reflexão memorial.
    Do resquício a profusão, as obras encontram meios de melhor utilizar os artefatos a sua disposição na criação da narrativa em conjunto entre mulheres em um campo já profícuo de produção do “eu”, mas que oferece destaque a narrativas marcadas pelo gênero e sua dinâmica político-social.

Bibliografia

    BRUZZI, Stella. New Documentary: A Critical Introduction, Psychology Press, 2000

    RILEY, Denise. “Am I that name?”: feminism and the category of “women” in history. Basingstoke: Macmillan, 1988.

    SEIXAS, Jacy. DE. Os Tempos Da Memória: (Des)Continuidade E Projeção. Uma Reflexão (in)Atual Para a História? Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, 2002.

    RAGO, Luzia Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.

    RENOV, Michael. The subject of documentary. Minneapolis: Univ. of Minesota, 2004.

    VEIGA, Roberta. Por uma política de rememoração: a potência histórica no cinema de experiência pessoal. Contracampo, Niterói, v. 35, n. 3, p. 187 – 210, 2016b. Disponível em: https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/17588. Acesso em: 20 jan. 2022