Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael Wandratsch Urban (Unespar)

Minicurrículo

    Cineasta, produtor e professor, mestre em Cinema e Artes do Vídeo (Unespar). Se dedica a projetos como o Ficção Viva, que oferece oficinas no Brasil com realizadores como Lucrecia Martel e Pedro Costa. Rafael é professor na Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños (EICTV), em Cuba. Seus filmes foram apresentados em eventos como Roterdã, Cinéma du Réel e Brasília. Ovos de Dinossauro na Sala de Estar (2011) foi escolhido como Melhor Curta do 66º Festival de Edimburgo.

Ficha do Trabalho

Título

    A circulação de A classe roceira (1985) nos registros da repressão

Formato

    Remoto

Resumo

    A classe roceira (1985), de Berenice Mendes, trata do surgimento do Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST) no Paraná. Ao investigar as temporalidades e espaços de circulação do média-metragem na época de seu lançamento, nos deparamos com um processo documentado pelos órgãos oficiais, que mostram como agentes públicos encarnavam a herança do regime civil-militar ao dar continuidade ao modus operandi da repressão ao registrar as ideias progressistas da cineasta.

Resumo expandido

    Ao tomar como objeto o média-metragem documental A classe roceira (1985), de Berenice Mendes, que trata do surgimento do Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST) no Paraná, parte-se da premissa de que o cinema é agente ativo na história. Ao investigar as temporalidades e espaços de circulação do média-metragem dirigido por Mendes com foco na época de seu lançamento (nos sindicatos, mostras e cineclubes – um processo documentado pelos resquícios da ditadura nos órgãos oficiais) foi possível constatar que foi e continua sendo em sua circulação que a aliança entre cinema e movimento social se desdobra, efetivando-se, fortalecendo-se.
    A classe roceira é um filme construído em solidariedade, a partir de uma aliança tênue, que acabou por transformar-se, no decorrer das décadas, em um trabalho incorporado pelo próprio movimento. Assim, trabalha-se aqui a partir do entendimento de que a destinação do filme (em seu futuro) importa tanto quanto sua origem, o lugar de onde parte (em sua gênese). É na distribuição que A classe roceira recuperará sua vocação junto à luta; é neste momento em que o laço de aliança com o MST se estabelece efetivamente. Para demonstrar essa afirmação, nos atemos a um circuito alternativo de exibição.
    Nos atendo apenas à imprensa, a possibilidade de narrar a participação de Mendes em exibições de seu média à época do lançamento fora do circuito hegemônico (CESAR, 2017, p. 102) a partir do universo pesquisado se encerraria em uma única reportagem – que trata da exibição seguida de debate do filme na Festa da Paz, do Partido Comunista Brasileiro em Toledo, Oeste do Paraná.
    Para essa apresentação, nos concentramos na documentação localizada junto à base de dados do SIAN, o Sistema de Informações do Arquivo Nacional. Lá, encontramos rastros da participação de Mendes em eventos culturais e políticos, localizando 27 registros feitos por agentes do SNI – o Serviço Nacional de Informações – e da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal. Esses documentos, portanto, registram exibições do média no contexto de seu lançamento a partir da perspectiva dos agentes e aparatos repressivos herdeiros da Ditadura Militar recém-encerrada. O dossiê sobre o “I Encontro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Londrina com o Movimento dos ‘Bóias-frias’ e ‘Sem-terra’ do Norte do Paraná” oferece uma perspectiva de como os agentes encarnavam a herança do regime civil-militar ao dar continuidade ao modus operandi da repressão no registro de ideias progressistas daquele evento, já no pós-ditadura.
    Hoje, A classe roceira é um filme que está dentro dos assentamentos; e visto nos contextos pedagógicos para pensar o próprio movimento. Em uma lista recente, organizada pelo MST para comemorar o aniversário de 37 anos do movimento, o média de Mendes foi citado como o primeiro de uma lista de quatorze filmes – logo depois dele, vinha Terra para Rose (1987). Ele também foi retomado depois de seu contexto de exibição, em outras exibições formais, como em 2001, na Mostra A Terra Prometida: a produção audiovisual do MST, uma ampla retrospectiva apresentada no CCSP. Mais recentemente, em 2020, compôs a mostra Essa terra é a nossa terra, na programação do Forumdoc.bh, ação que levou à sua incorporação à plataforma Itaú Cultural Play, que o definiu como “um registro histórico sobre a eclosão do movimento de agricultores sem-terra no Paraná”. Mendes (2021, p. 15) comenta essa retomada de interesse pelo filme: “é surpreendente agora, decorrido esse tempo todo do filme […] É surpreendente por um lado; por outro, é compreensível, porque a gente vê esse revival do horror, da tentativa autoritária ou de um autoritarismo mesmo avançando, então acaba até sendo compreensível”.

Bibliografia

    BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PUBLICA. ARQUIVO NACIONAL. SIAN: sistema de Informações do Arquivo Nacional. Brasília: Arquivo Nacional, [20–?]. Disponível em: https://sian.an.gov.br/ . Acesso em: 28 ago. 2020.

    CESAR, Amaranta. Que lugar para a militância no cinema brasileiro contemporâneo? Interpelação, visibilidade e reconhecimento. Revista Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p.101-121, jun. 2017.

    LEANDRO, Anita. Os acervos da ditadura na mesa de montagem. LOGOS 45, Rio de Janeiro, v. 23, n. 62, p. 103-116, 2016.

    MACHADO, Patricia Furtado Mendes. Imagens que restam: a tomada, a busca dos arquivos, o documentário e a elaboração de memórias da ditadura militar brasileira. 2016. Tese (Doutorado). Rio de Janeiro: UFRJ. Acesso em: 10 nov. 2021.

    MENDES, Berenice. Berenice Mendes: vitória em Fortaleza. Nicolau, [S.l], n. 3, p. 18–19, set. 1987. Depoimento.

    MENDES, Berenice. [Entrevista cedida a] Rafael Urban por videoconferência. [S. l.: s. n.], 2 out. 2020.