Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Guilherme Gonçalves da Luz (UFGRS)

Minicurrículo

    Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2020), Mestre pelo mesmo programa (2015), Bacharel em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (2012). Possui produção técnica e artística em audiovisualidades em autoria e co-autoria.Desde 2012, é servidor no cargo de Editor de imagens, na Secretaria de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande

Ficha do Trabalho

Título

    Como filmar um espírito? notas sobre a imagem-aliança

Seminário

    Teoria de Cineastas

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir de reflexões suscitadas pelo filme YamiYhex: As Mulheres-Espírito (2019), de Sueli Maxakali e Isael Maxakali, nossa proposta à este seminário temático versa sobre a possibilidade de pensarmos nos realizadores ameríndios como operadores cosmotécnicos de imagens que pensam a si mesmas, ou seja, ao tornar permeáveis as instancias do visível e do invisivel, tais cinestas postulam também proposições teóricas acerca da natureza das imagens.

Resumo expandido

    Em YamiYhex: As Mulheres-Espírito (2019), Sueli Maxakali e Isael Maxakali acompanham as yãmĩyhex (mulheres-espírito) que, após passarem alguns meses em Aldeia Verde, se preparam para partir. O filme apresenta os preparativos e os dias de grande festividade que envolvem a despedida, momento em que a aldeia é atravessada por uma profusão de espíritos. Trata-se, portanto, de um filme cuja premissa tensiona o cinema em seu carater fundamental, a instância fenomênica das imagens. Nossa proposta à este seminário temático versa sobre a possibilidade de pensarmos nos realizadores ameríndios como operadores cosmotécnicos de imagens que pensam a si mesmas, ou seja, ao tornar permeáveis as instancias do visível e do invisivel, tais cinestas postulam também proposições teóricas acerca da natureza das imagens. Em YamiYhex forças externas ao mundo visível atravessam e tensionam a forma fílimica, distendendo-a. Invisíveis, essas forças se modulam, se precipitam e se inscrevem nas imagens. Por meio das ritualizações e dos canticos entoados pelas mulheres, os espíritos povom o espaço, atravessando os corpos em suas transformações. Se a nós é relegado o direito de ver as imagens dos espíritos (imagens-espírito), podemos contudo vê-los agindo sobre os corpos. O conceito de espírito, em muitas cosmologias da américa indígena, se confunde com o conceito de imagem, Kopenawa, por exemplo, diz que “Todos os seres da floresta possuem uma imagem utupë.” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 116). Se, por um lado, o espírito para os ameríndios nos parece passar longe da formulação sobrenatural encarnada no imaginário ocidental, ele se encontra, por outro lado, também fora das classificações taxionomicas dos seres, sendo, assim, imiscuidos em uma síntese disjuntiva entre o humano e o não-humano e sua improvável copossibilidade existencial. Viveiros de Castro (2020) diz que “O tema da intensidade luminosa característica dos espíritos é interpretado em termos de uma ênfase não-representacional na visão como modelo da percepção e do conhecimento nas culturas ameríndias”. A simples atribuição apressada das cosmovisões ameríndias a uma suposta incompatibilidade com a maquinaria optico-perceptiva do ocidente, parece esconjurar o ponto fulcral da relação entre esses ameríndios e os seres espirituais que compõe sua cosmologia. O conceito de espírito designa essencialmente uma população de afetos moleculares, uma multiplicidade intensiva que os cineastas amerímdios fazem vir a superfície das imagens, “como espectadores somos convocados não a crer naquilo que nossos olhos veem, e sim naquilo que os olhos não veem, mas que ainda assim age sobre o corpo em performance” (BRASIL, BELISÁRIO, 2016, p. 603). Esta proposição é parte de um trabalho maior que intensiona mapear, dentro da última década do cinema brasileiro, o modo como um certo protagonismo ameríndio na feitura das suas próprias imagens provocou deslocamentos importantes e acabou por constituir um conjunto de imagens subordinadas a uma lógica das alianças e dos devires. São imagens que, para existir, não podem prescindir das relações que operam na infraestrutura de seus processos, o que estamos chamando de um regime de imagens-aliança. Em situações distintas, ameríndios já demarcados utilizam-se das imagens para documentar seus ritos, fazer durar seus costumes através das imagens, noutras, indígenas em situações de perigo produzem imagens em que a câmera assume seu ponto de vista e posiciona em tempo real o espectador diante de suas mazelas, tal como como nos vídeos de confronto entre índios e garimpeiros, ou as imagens da ocupação de Brasília em decorrência do protesto contra o PL 191, do marco temporal. Em tantos casos, “o cinema funciona como uma espécie de catalisador para a experiência de grupos que se esforçam por reconquistar seu “devir-índio”. (BRASIL, BELISÁRIO, 2016, p. 603), inserindo nas imagens uma dimensão cósmica.

Bibliografia

    KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami. Tradução de Beatriz
    Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015
    VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas Canibais. São Paulo: Cosac Naify, 2015
    ______A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ubu, 2020.
    BRASIL, André; BELISÁRIO, Bernard. desmanchar o cinema: variações do fora de campo em filmes indigenas, São Paulo: Sociologia e antropologia, 2016