Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior (ECA-USP)

Minicurrículo

    Ensina Análise e Crítica do Audiovisual na ECA-USP, participou das revistas Cine-Olho (1976-80), L’Armateur (1992-93), Infos Brésil (1992-07), Close-up: storie della visione (1997-98), praga (1997-00), Épisodic (1998), Sinopse (1999-06), Significação (2006), Rebeca (2012-15). Curador dos projetos Marginália 70 (Itaú Cultural, 2000-03) e Experimental Media in Latin America (Los Angeles Filmforum-Getty F., 2014-17). Publicou Contribuições para uma história do cinema experimental brasileiro (2020).

Ficha do Trabalho

Título

    A modernidade conservadora paulista singular de Fragmentos da vida

Seminário

    Cinema no Brasil: a história, a escrita da história e as estratégias de sobrevivência

Formato

    Presencial

Resumo

    Dos poucos ficcionais remanescentes do período mudo paulista que podemos ver hoje, nos pareceu que Fragmentos da vida de Medina, pode ser tomado naquele quadro, na pior hipótese, como artefato dos mais refinados, mesmo em âmbito nacional ou internacional. Algum debate de sua fortuna crítica traz certa apreciação admirada de sua fatura no aspecto formal e testemunha interpretação inequívoca de seu viés conservador no âmbito do conteúdo. Cumpre-nos analisar criticamente tal relação forma-conteúdo.

Resumo expandido

    Se Fragmentos da vida (1929), de José Medina, provoca apreciação positiva de sua fatura formal e alguma interpretação de seu viés conservador nos conteúdos, não revela nenhum parentesco remoto ou aproximações possíveis com o modernismo nascente na Paulicéia em outras artes desde 1922. Entretanto a sua análise fílmica em perspectiva de crítica imanente fornece elementos para distinguirmos em sua singularidade formal traços de certa modernidade cinematográfica conservadora então vigente nos centros avançados dos EUA e da Europa — o que o distancia da tibieza acadêmica imperante no ramo cavador, incensando porém valores morais de caráter tradicional.
    Poucos meses depois de lançada a Symphonia da Metrópole, num outro momento conspícuo do cinema silencioso paulista Fragmentos da vida, ao contrário, partindo de uma mesma plataforma estética acadêmica do cinema local, busca alcançar alguma modernidade mais aberta e contraditória, e não menos equilibrada, em seu sentido próprio, acolhendo nalguma desordenação contingente certa força ordenadora maior. Se os caprichosos Kemeny & Lustig revelam já alguma pulsão artística avançada, uma kunstwollen ordenadora, talvez antecipadora do art déco, na falta de melhor nomenclatura ou nominalismo, virão a construí-la na fita documental pelas técnicas e artifício de um academismo neoclássico profuso, que ainda mal ingressava o art nouveau, com suas cantoneiras e arandelas compositivas.
    Para um leitor rigorosamente contemporâneo das páginas antropofágicas do antigo parnasiano Oswald de Andrade naquele final dos anos 1920, o melhor cinema paulista pareceria comportadíssimo, algo como um “retorno à ordem” avant la lettre, e premonitório de algum porvir endurecido nas décadas à frente. Reação às rupturas já escancaradas àquela altura ou, de fato, com o seu pseudo academismo irônico ou só novidadeiro, anteciparia um art déco vindouro, que iria se consolidar na arquitetura só pelos anos 1930 com o Estado Novo. No endurecível espaço-tempo de Fragmentos da vida, seu estilo formativista funciona convocando lampejos realistas: a solidez equilibrada e harmônica das frontalidades é instável, mas também caprichosa em Medina; escorregadia, tensa ou quebradiça, nunca se realiza de fato, ainda que prometida, e promissora, insinuada com esmero, seja mesmo como ameaço ou arremedo. Entretanto jamais forja uma espacialidade ortogonal, como pretenderam Kemeny & Lustig. E nisso Medina exprime ao inverso algo de quase periclitante na vida paulista, trazendo sintomas de sua necessidade de afirmação pela dinâmica operosidade disciplinada do trabalho.
    Falando nisso, todo o gênero ficcional de então, que cognominou-se de posado no cinema paulista silencioso, se pautava cioso de sua impostação cênica. Fora disso, seria desleixo. Exceção cogitável, talvez só nos excertos remanescentes de Luiz de Barros, ou alguns shots documentais mais enquadrados de dinâmica expressiva nos naturais. Sim, também os naturais seriam, num certo sentido, bastante posados. Impostados, despercebidamente encenados como por um automático capricho, por vezes prestes a um certo impostar fronteiriço do impostor. Por mais que Fragmentos da vida nos trouxesse alguma leve cintilação realista ou até neorrealista conforme lembramos em espasmos cênicos momentâneos, meio vagais do Vagabundo, é por um capricho inverso ao dos nossos naturais, buscando aqui algum toque de realismo posado. Diríamos que aquela geração de cineastas cavadores paulistas primava por um formativismo básico de ordenação ornamental pouquíssimo realista do espaço cênico urbano. Na teoria estética essa sua vigilância seria então explicada sobretudo pela aspiração, ou pela ideação de abstrações face à natureza do espaço vivenciado por empatia ou por fluxos espontâneos de uma interação mais livre (Worringer).

Bibliografia

    Adorno, T.W. Teoria estética. Lisboa: Ed.70, 2008.
    Aumont, J. Moderne? Comment le cinéma est devenu le plus singulier des arts. Paris: Cahiers du cinéma, 2007.
    Bordwell, D.; Staiger, J.; Thompson, K. The Classical Hollywood Cinema. Londres: Routledge, 1985.
    Galvão, M.R. Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática, 1975.
    Gomes, P.E.S. Encontros. org.A.Mendes. Rio: Azougue, 2014.
    Machado Jr., R. Para uma análise interpretativa de Fragmentos da vida, in: Neder, C.; Dias, T.N. (orgs.) Narrativas audiovisuais nos países lusófonos. Porto Alegre: Fi, 2022.
    _____ São Paulo em movimento: A representação cinematográfica da metrópole nos anos 20. Mestrado ECA-USP, 1989.
    Moreira, L.F. Meninos, Poetas e Heróis: Aspectos de Cassiano Ricardo do Modernismo ao Estado Novo. São Paulo: Edusp, 2001.
    Rocha, G. Eztetyka da fome 65, Revolução do Cinema Novo. Rio: Alhambra, 1981.
    Worringer, W. Abstracción y naturaleza. México: FCE, 1975.
    Xavier, I. Mimese e temperança, Folha de S.Paulo, Folhetim 13/5/1984.