Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Nicholas Andueza (UFRJ e PARIS 1)

Minicurrículo

    Doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbonne, com pesquisa sobre fotogenia, biopolítica e representações do corpo no cinema de arquivo. Foi bolsista CAPES e CNPq. Mestre em Comunicação Social – Cinema com bolsa CAPES pela PUC-Rio. Editor assistente da Revista Eco-Pós. Crítico de arte na revista DASartes. No mercado audiovisual atua como montador e câmera.

Ficha do Trabalho

Título

    A Fotogenia e a refração: do além-ficção ao arquivo

Seminário

    Outros Filmes

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir de um breve histórico do termo “fotogenia”, muito citado na crítica cinematográfica dos anos 1920, aprofundamo-nos em seu uso por Jean Epstein, aplicando-o ao cinema de arquivo. O autor vê na fotogenia um meio para ultrapassar certas convenções da ficção, numa valorização não da transparência ou da opacidade, mas do que chamaremos “refração”. Observamos a afinidade dessa abordagem com certo cinema de arquivo que, ao explorar a polissemia das imagens, refratam-nas em imagens-outras.

Resumo expandido

    Se o argumento por uma afinidade entre a noção de fotogenia e o cinema de arquivo já foi traçado antes (França e Andueza, 2017), o que se tenta aqui é um detalhamento maior dessa frutífera relação entre uma antiga teoria cinematográfica e um tipo de produção audiovisual que ganhou espaço mais recentemente. Para ser mais preciso, verifica-se como a teoria da fotogenia, ao se desviar de certas convenções cinematográficas, também parece deslocar a clássica oposição entre transparência e opacidade, algo que, argumenta-se, também pode ser observado no cinema de arquivo. Propõe-se a “refração” como paradigma possível para nomear esse outro regime de imagens, a ser analisado e caracterizado ao longo da comunicação.

    Inicia-se por um breve histórico sobre o termo “fotogenia”, com Henry Fox Talbot que em 1839, no momento da publicação de seu primeiro estudo sobre o que viria a ser chamado “fotografia”, cria o termo ao citar um “desenho fotogênico”. A novidade apresentada por ele era a de desenhos que se faziam por conta própria, e não pela mão do artista: photo (luz) + genos (gênese). Mais tarde, quando Louis Delluc se apropria do termo para a discussão crítica do cinema (1920), ele defende uma fotogenia que designa não a condição de feitura da imagem (gerada a partir da luz) mas quase tão somente uma acepção qualitativa (daquilo que “sai bem”na imagem). Mas, ao mesmo tempo, ele vai muito além da mera afirmação da beleza dos corpos filmados, como era comum à época. Já em 1921, Epstein segue os passos de Delluc. Ambos frisam um poder animista do cinema por meio do qual mesmo as paisagens e os objetos inanimados pareciam ganhar vida. Para Epstein a fotogenia do cinematógrafo mobiliza tudo, até mesmo o inerte, assim, tudo o que se vê na tela pulsa, vive!

    Nessa esteira, desde Talbot, passando por Delluc e chegando a Epstein, observa-se um encontro insistente e direto entre a imagem e o mundo – para além da ficção (Tognolotti e Vichi, 2020). Isso tem pouco a ver com a opacidade, e também não faz parte de uma transparência convencional: a começar pela insistência de Talbot no modelo artístico, o “desenho” (diferente da “coisa” em si), e a culminar com ideia de um animismo, que imputa vida mesmo onde ela parece não estar (uma agência da imagem sobre o mundo, uma poderosa mediação).

    É por isso que Gunning (in: Keller e Paul, 2012) diz que, diante da divisão de André Bazin entre os que acreditam na realidade (transparência) e os que acreditam na imagem (opacidade), Jean Epstein parece traçar um outro caminho, segundo o qual o acesso privilegiado à realidade se dá justamente pela mediação ostensiva da imagem – e a isto propõe-se chamar “refração”. “Refração” porque a imagem não funciona enquanto “janela” para o mundo, como na transparência, nem enquanto “espelho” que acusa o dispositivo e o sujeito, como na opacidade; ela funciona, sim, enquanto “prisma”, capaz de refratar a luz que vem do mundo e de produzir múltiplas visões possíveis a partir de sua mediação, escandindo ativamente frequências de luz e subvertendo o real. Trechos de filmes e escritos de Epstein vão corroborar com esta leitura.

    Enfim, chega-se ao cinema de arquivo. Não seria ele calcado em uma visão prismática das imagens que retoma? Os arquivos não são simples janelas para o mundo, no sentido de serem, antes de tudo, imagens, mediações; mas, ao mesmo tempo, os arquivos trazem algo de uma concretude indexical da história que é também irrefutável. Mesmo que não seja “verdadeiro” no sentido de uma transparência, o arquivo faz parte da materialidade da história; mesmo que não seja um objeto imaculado e puro, puramente opaco e hermético, quando olhado com atenção ele acusa os próprios pontos de ficção e invenção, sua própria singularidade em relação ao todo histórico. O modelo da refração parece capaz de lidar com essa lógica a princípio contraditória, viabilizando um outro cinema onde a revelação só ocorre precisamente por conta da mediação prismática.

Bibliografia

    DELLUC, Louis. Photogénie. Paris: Éditions de Brunoff, 1920.
    DIDI-HUBERMAN Georges, O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Editora 34, 2010.
    EPSTEIN, Jean. Bonjour Cinéma. Paris: Éditions de la Sirène, 1921.
    EPSTEIN, Jean. Écrits sur le cinéma: tome 1. Paris: Édition Seghers, 1974.
    FRANÇA, Andréa; ANDUEZA, Nicholas. Presente que irrompe: fotogenia e montagem. Revista Eco Pós, Rio de Janeiro: ECO UFRJ v.20, N.2, p.145-160, 2017.
    KELLER Sarah; PAUL, Jason N. (orgs). Jean Epstein: critical essays and new translations. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2012.
    RANCIÈRE, Jacques. A fábula cinematográfica. Campinas, SP: Papirus, 2013.
    TALBOT, Henry Fox. The pencil of nature. Londres: Longman, Brown, Green and Longmans,1844.
    TOGNOLOTTI, Chiara e VICHI, Laura. De la photogénie du réel à la théorie d’un cinéma au-delà du réel : archipel Jean Epstein. Torino: Edizioni Kaplan, 2020.