Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Leon Orlanno Lôbo Sampaio (UFPE)

Minicurrículo

    Leon é doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, onde desenvolve pesquisa sobre a branquitude e as relações de colonialidade no cinema brasileiro contemporâneo. Também é realizador audiovisual, tendo dirigido os longas-metragens “Eu, empresa” e “Gente Bonita”. Além destes trabalhos, tem tido algumas experiências como professor de audiovisual em escolas públicas.

Ficha do Trabalho

Título

    A vez dos sádicos: necropoder em Bacurau e O clube dos canibais

Formato

    Presencial

Resumo

    O trabalho aborda questões relativas à representação da violência nos longas Bacurau (2019) e O clube dos canibais (2019). Nas obras vemos muitos personagens sádicos, tomados por uma excitação diante do sofrimento e da morte do outro. Como estes filmes encenam o horror? Através de uma distância crítica ou sob uma espécie de atração? O espectador é estimulado a sentir prazer diante das cenas de violência? Em suma, a comunicação discute até que ponto os filmes promovem uma experiência sádica.

Resumo expandido

    A comunicação aborda questões relativas à representação da violência nos longas-metragens Bacurau (2019, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles) e O clube dos canibais (2019, de Guto Parente). Nas obras vemos muitos personagens sádicos, tomados por uma excitação diante do sofrimento e da morte do outro, em cenas macabras de caça humana e canibalismo.

    O aspecto racial é acionado de maneira preponderante nestes filmes, dando a ver formas atuais de necropoder (MBEMBE, 2018). Elas se materializam através das cenas de extermínio de personagens pretos e pardos por personagens brancos, que mobilizam também um debate acerca das vidas enlutáveis e dos contornos do humano (BUTLER, 2019). A maneira como os filmes representam estas práticas violentas dos personagens da supremacia branca são o foco de análise do nosso trabalho, mais especificamente, as questões referentes à mise-èn-scène e ao ponto de vista. O horror é mostrado através de uma distância crítica, moderada ou sob uma espécie de atração? O espectador é estimulado a sentir prazer diante das cenas de violência? Até que ponto os filmes promovem uma experiência sádica?

    A hipótese que pressupomos é que o ponto de vista do filme identificado aos personagens assassinos de alguma maneira nos aproxima de uma experiência sádica. Isso ocorre, sobretudo, em Bacurau. No filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, tanto o fascínio dos personagens brancos pela morte quanto a obscenidade dos corpos exterminados são revelados a partir de uma decupagem clássica de campo-contracampo, sob um esquema de continuidade intensificada (planos curtos, montagem acelerada). Tal estilo, segundo Bordwell (2008) condiciona o espectador “a direcionar o olho de maneira brusca, à maneira de Kuleshov, por um desejo de legibilidade”, porque ele não tem tempo de eleger o que é mais importante ou de se perder na imagem. A onisciência ofertada ao espectador em Bacurau é um gesto que, em alguma medida, o aproxima da hipervisibilidade dos personagens sádicos, pois vemos as mortes de vários ângulos, inclusive, por via aérea, através de de um drone (equipamento de posse dos personagens assassinos). Nesse sentido, ponderamos que a mise-èn-scène do filme parece mais interessada em produzir emoções no espectador (uma pulsão por vingança), do que propriamente um distanciamento crítico da ação violenta.

    Já O clube dos canibais atualiza o sadismo dos herdeiros soberanos buscando desvios do pornográfico. A mise-en-scène de Guto Parente privilegia os jogos eróticos entre as personagens, assim como os instantes que antecedem às ações e gestos violentos. Mesmo que o horror seja materializado, através da exposição de cadáveres e da supressão física de membros e outras partes do corpo humano, os atos fatais de violência são enquadrados com certas restrições. A decupagem, embora se estruture num regime de campo-contracampo, evita mostrar as ações completas de violência, com a presença do agressor e da vítima num mesmo plano. Outro aspecto que atenua o pornográfico é a duração dos planos, a montagem que não necessariamente segue o esquema de continuidade intensificada, como se percebe em Bacurau e na maioria das obras hollywoodianas. O terceiro ponto que colabora para uma experiência mais crítica do sadismo dos personagens é que o diretor evita os abundantes hiperclose que hoje caracterizam a estética da indústria pornográfica, e opta por um estilo mais sóbrio, com uso regular de planos gerais fixos.

Bibliografia

    BATAILLE, G. O erotismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
    BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
    MBEMBE, Achile. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018.