Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Juliana Soares Lima (UFPE)

Minicurrículo

    Juliana Soares é formada em Cinema e Audiovisual e mestra em comunicação pela UFPE. Dentro da academia, sua pesquisa gira em torno da relação entre o cinema e a paisagem. É codiretora e corroteirista do curta Rosário (2019), codiretora e roteirista do curta Mergulhão (2023, e corroteirista do longa Fim de Semana no Paraíso Selvagem, de Pedro Severien (2023).

Ficha do Trabalho

Título

    Claire Denis, o domínio da natureza e o ecofeminismo

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir do filme Bom Trabalho (1999), da diretora francesa Claire Denis, e tendo as obras das autoras Val Plumwood e Laura Marks como referência principal, busca-se verificar como Denis retrata a interação entre homens, mulheres e a natureza para compreender as complexidades entre relações coloniais e de exploração da natureza.

Resumo expandido

    Em Bom Trabalho, filme de 1999, a mise en scène é construída a partir da relação dos corpos dos soldados com a paisagem desértica africana. Essa relação subverte a lógica colonial do colonizador como civilizado e do colono como primitivo: ao aproximar os corpos dos soldados da natureza, tão subjugada pelo pensamento ocidental, Claire Denis desconstrói o dualismo que mais justifica a opressão do colonizador sob o colonizado. Se a civilização moderna impõe a separação entre o homem e a natureza, deixando essa aproximação para os primitivos e menos capazes intelectualmente, em Bom Trabalho o homem colonizador e natureza gradativamente se reaproximam: ao longo do filme os corpos masculinos dos soldados parecem pouco a pouco fundir-se com a paisagem.

    No filme, a natureza parece absorvê-los como se as duas coisas fossem, indiferenciadamente, da mesma matéria. Há um trabalho minucioso que envolve a direção de fotografia, a direção de arte e a própria direção dos atores que resulta em imagens quase sobrenaturais. As cores, a luz e a composição das cenas, além dos movimentos lentos e ritmados fazem com que os soldados camuflem-se na areia vulcânica do deserto do Djibouti. Os corpos dos soldados filmados sempre em planos abertos do deserto acentuam a sensação de solidão e isolamento a que estão submetidos. Há uma certa ironia em observar os legionários quase desaparecendo, fundindo-se à paisagem desértica do continente africano. São homens de várias nacionalidades que são enviados para ocupar um território em nome de uma pátria a qual não pertecem e têm suas identidades completamente apagadas a ponto de se parecem mais com o território ocupado, literalmente misturando-se à paisagem, do que com suas próprias terras de origem.

    Ao mesmo tempo, os corpos masculinos estão a disposição da diretora – uma mulher – para que sejam filmados, e diegeticamente eles estão, também, à disposição dos olhares femininos. A autora Laura Mulvey em Visual Pleasure and Narrative Cinema fala sobre o prazer sexual contido no ato do olhar como gesto ativo de tomar pessoas como objetos, que submete-as a um olhar controlador e curioso (p. 59) e sobre como o cinema narrativo mainstream hollywoodiano faz uso dessa ferramenta para alimentar o desejo masculino ao colocá-lo como o ser detentor do olhar. Aqui, o prazer visual pertence ao olhar feminino, diegeticamente e extra-diegeticamente. As mulheres nativas quebram a lógica do homem enquanto sujeito observador/mulher enquanto objeto a ser olhado, enquanto Denis filma os corpos dos soldados semi desnudos como objetos de prazer visual e contemplação do espectador. As mulheres nativas circulam naturalmente por esse espaço, divertem-se, riem e também desafiam. Há uma certo respiro nessa escolha de Denis: nesses momentos não são homens e colonizadores, mas sim mulheres e nativas que tem agência em cena.

    O Ecofeminismo teoriza sobre as relações entre a opressão da mulher e a dominação da natureza dentro da sociedade ocidental e trata-se de um viés interessante para analisar como os sujeitos se portam no longa-metragem. Não à toa Claire Denis escolhe colocar as mulheres, ao invés dos homens locais, nessa posição de detentoras de certo poder sobre os legionários. Ao longo da história da sociedade ocidental, a mulher, assim como a natureza, foram postas em segundo plano em nome de um desenvolvimentismo liderado exclusivamente pelos homens. Em Feminism and the Mastery of Nature, Val Plumwood promove uma longa reflexão sobre a tradição ocidental do dualismo que associa o homem à cultura/razão e a mulher à natureza, colocando as duas últimas num lugar de servidão às necessidades masculinas. A participação feminina no filme, apesar de pontual, demarca o que eu diria ser uma importante subversão.

Bibliografia

    DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

    MULVEY, Laura. Visual Pleasure and Narrative Cinema. Film Theory and Criticism:
    Introductory Readings. Eds. Leo Braudy and Marshall Cohen. New York: Oxford University
    Press, 1999: 833-44.

    PLUMWOOD, Val. Feminism and the Mastery of Nature. Nova York: Routledge, 1993.

    VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A Inconstância da Alma Selvagem. São Paulo: Cosac
    Naify, 2002.