Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Henrique Rodrigues Marques (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Multimeios, no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, desempenhando pesquisa sobre representações e memória do hiv/aids no cinema brasileiro. Mestre pela mesma instituição. Bacharel em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos. Além de pesquisador, atua como curador, tendo atuado em festivais como a MOSCA – Mostra Audiovisual de Cambuquira e o Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo (Kinoforum).

Ficha do Trabalho

Título

    “Uma aidizinha aí vai bem, né?”: o vírus e o prazer na Boca do Lixo

Formato

    Presencial

Resumo

    A aids não foi apenas um fato biológico, mas um fenômeno culturalmente construído que se deu de modo síncrono, justamente, ao período de maior produção de filmes com sexo explícito do cinema nacional. Através da análise fílmica das obras “Sexo de todas as formas” (Juan Bajon), “Hospital da corrupção e dos prazeres” (Rajá de Aragão) e “AIDS – Furor do sexo explícito” (Fauzi Mansur), todos lançados em 1985, este trabalho visa compreender os primeiros discursos sobre hiv/aids no cinema brasileiro.

Resumo expandido

    O cinema brasileiro reagiu de forma bastante rápida ao surgimento da aids. Segundo relata Néstor Perlongher, foi em 1982 que os primeiros diagnósticos aconteceram no Brasil, detectados pela dermatologista Valéria Petri (1987, p. 50). Nos anos subsequentes, a doença foi tratada com indiferença, considerada “uma doença da moda”, problema passageiro que afetaria apenas gays e travestis. Perlongher determina como marco de virada a morte de Roberto Galizia, em 1985, dando início a uma segunda onda de pânico. “Os rituais da agonia seriam, doravante, reciclados insistentemente pela mídia” (PERLONGHER, 1987, p. 53). E foi no mesmo ano da morte de Galizia que David Cardoso dirigiu o polêmico “Estou com AIDS” (1985), que trazia em seu cartaz a taxativa de ser “O primeiro filme realista do mundo a mostrar a doença cuja única saída é a morte.” Mesclando cenas ficcionais e entrevistas documentais, “Estou com AIDS” se propunha, de maneira bastante sensacionalista, a informar a população sobre “as verdades” em relação a aids.
    No mesmo ano de 1985, pelo menos três outros filmes se dedicaram a abordar o pânico da aids, em tratamentos bastante distintos da proposta de Cardoso. “Sexo de todas as formas” (Juan Bajon) conta a história de um grupo de amigos que contratam massagistas para passarem um fim de semana em uma casa de campo. Logo na primeira cena, eles conversam sobre a aids de maneira debochada e, ao longo de sua narrativa, o filme assume um discurso de sexo e desbunde como uma reação ao moralismo causado pela doença. Já “Hospital da corrupção e dos prazeres” (Rajá de Aragão) é uma comédia pastelão que se passa em um hospital onde todos os funcionários fazem parte de um esquema de corrupção. Ao longo do filme, são feitas diversas piadas em cima do medo de contrair “a tal da aids”. Em uma proposta mais direta, Fauzi Mansur dirige o controverso “AIDS – Furor do sexo explícito”, fita erótica que coloca a epidemia da aids não apenas como seu tema central, mas também assume um certo fetiche ao abordar a contaminação pelo vírus hiv.
    Não por acaso, todos os quatro cineastas são da geração do cinema da Boca do Lixo que, após o seu declínio, migrou das pornochanchadas para a produção de filmes de sexo abertamente pornográficos. Como relata Nuno Cesar Abreu, “Em 1984, por exemplo, dos 105 filmes nacionais produzidos (exibidos em São Paulo), nada menos que 69 eram de sexo explícito” (2015, p. 131). Ou seja, a aids eclode no Brasil justamente quando a produção de filmes com conteúdo sexual se encontrava em sua fase mais prolífica, representando a maior parcela da produção nacional. No livro Policing Desire, Simon Watney demonstra como muito rapidamente se associou o surgimento da aids com a produção de filmes pornográficos. Ele relata que, em novembro de 1985, mês da estreia de “Estou com AIDS” no Brasil, uma conferência em Boston se dedicou a discutir “A moralidade na Mídia” e a fala dos palestrantes traçava conexões entre pornografia e aids, em uma “narrativa de ultraje moral e repugnância física” (WATNEY, 1996, p. 19). Neste contexto, era inevitável que o cinema brasileiro respondesse rapidamente ao pânico sexual gerado pela doença, já que sua indústria vivia uma era fundamentalmente sexual.
    Se essa produção era vista como vulgar e sem valor artístico, em um contexto de reflexão sobre um registro historiográfico da aids no Brasil, esses filmes se convertem em artigos valiosos, dignos de preservação e análise. Eles representam as primeiras reações dos cineastas brasileiros a um dos eventos definitivos do século XX e que ecoa seus efeitos até a contemporaneidade.
    Conciliando o trabalho de historiadores, pesquisadores de cinema e teóricos da sexualidade radical, o presente trabalho tem como objetivo analisar as dinâmicas entre transgressões e conservadorismos, pânico moral e liberdade sexual, júbilo e vergonha, abjeção e desejo, presentes nos discursos fílmicos sobre o hiv/aids produzidos no cinema de sexo explícito brasileiro da década de 1980.

Bibliografia

    ABREU, N. C. Boca do Lixo: cinema e classes populares. Campinas: Editora Unicamp, 2006.
    HALLAS, R. Reframing Bodies: AIDS, Bearing Witness, and the Queer Moving Image. Durham: Duke University Press, 2009.
    LACERDA JUNIOR, L. F. B. Cinema gay brasileiro: políticas de representação e além. Tese (Doutorado em Comunicação), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.
    MAIA, H. T. Cine [mão] espaços e subjetividades darkroom. Simões Filho: Editora Devires, 2018.
    MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. São Paulo: Autêntica, 2017.
    PERLONGHER, N. O que é AIDS. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
    PORTINARI, D. B.; WOLFGANG, S. M. Imagens e marcas: um imaginário ligado à epidemia de HIV-Aids no Brasil. ALCEU, v. 17, n. 34, 2017.
    SUBERO, G. Representations of HIV/AIDS in Contemporary Hispano-American and Caribbean Culture: Cuerpos SuiSIDAs. London: Routledge, 2016.
    WATNEY, S. Policing desire: Pornography, AIDS and the media. London: A&C Black, 1997.