Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Vicente Nunes Moreno (UNISINOS)

Minicurrículo

    É mestre em Comunicação Social pela PUCRS, com pesquisa voltada para o campo da narratologia e do estilo cinematográfico. Graduou-se em Realização Audiovisual pela UNISINOS (2005), curso onde atua como coordenador (desde 2019) e professor de montagem, roteiro e direção (desde 2011). Foi também professor convidado na FAP/UNESPAR e no Curso de Especialização em Cinema da UNISINOS. Como cineasta, atua como diretor, roteirista e montador, tendo participado de mais de 70 produções audiovisuais.

Ficha do Trabalho

Título

    À margem do sentido: vagando em busca de Barbara Loden

Seminário

    Teoria de Cineastas

Formato

    Presencial

Resumo

    Propõe-se aqui uma investigação do pensamento de Barbara Loden, latente em seu único longa-metragem Wanda (1970). A trajetória de Wanda se assemelha a da cineasta Barbara, em um cinema que experimenta, que deambula sem destino definido, escapando a um projeto por demais teleológico. Em suas falas e em seu fazer, Loden tece uma crítica à eficiência, à perfeição, à palavra, e um elogio a um cinema de arestas, de imperfeições, onde o não-dito preserva a ambiguidade e a complexidade do real.

Resumo expandido

    Em uma árida e escura mina de carvão, destaca-se um ponto de luz – uma mulher vestida de branco caminha lentamente por entre as colinas negras. Essa é uma das primeiras imagens de Wanda (1970, dir. Barbara Loden). Interpretada pessoalmente por Barbara, Wanda é uma protagonista que parece coadjuvante de sua própria história. De poucas palavras, muitas vezes alheia ao seu entorno, rejeita o papel de mãe e de esposa, vagando sem rumo até que alguém, algum homem, a conduza, como um objeto, uma não-pessoa.

    Redescoberto recentemente como um marco do cinema feminista, o filme é muitas vezes descrito como “um milagre”. Por que milagre? Por ser um dos poucos filmes dirigidos por uma mulher na época nos Estados Unidos? Por ter sido feito com baixíssimo orçamento e ter alcançado reconhecimento da crítica? Ou por ser uma joia luminosa que brota do lodo, como o sol divino que brilhou nas colinas pedregosas de Fátima? A ideia de milagre remete a um fenômeno sobre-humano que se manifesta inexplicavelmente graças a uma autoria divina. Chamar Wanda de “um milagre” parece diminuir o papel de Barbara, que, mais do que escrever, dirigir e atuar no filme, viveu uma vida bastante particular que a conduziu a formular os conceitos aplicados ali. Investigar o pensamento de Loden latente nesse filme é o objetivo dessa comunicação.

    A trajetória de Wanda se assemelha a da cineasta Barbara, no fazer desse cinema direto, que experimenta, que deambula, escapando a um projeto por demais teleológico, permitindo-se explorar a areia movediça da inconsciência. Assim como sua protagonista, corajosamente ela se lança em uma aventura cinematográfica sem saber ao certo o destino final. Mas algo é certo: busca expressar aquilo que intimamente a habita, algo que ela própria experenciou como mulher, muitas vezes silenciada, relegada a segundo plano, sexualidada pelo male gaze, vista como adereço a algum companheiro masculino (o próprio marido famoso Elia Kazan).

    Em uma entrevista para o NY Times, Loden explica que seu “tema são pessoas que não são muito verbais, que não tem consciência da sua condição.” (PHILLIPS, 1971). Ela própria se coloca como uma dessas pessoas, que teve sorte de escapar à ignorância e achar formas de se expressar artisticamente. Isso que poderia ser visto como uma limitação, acaba sendo um lançamento fundamental para seu modo de ver e fazer cinema. Em sua “falta de elaboração” técnica e narrativa, assume uma aparente ingenuidade que é por demais genuína.

    Em suas falas e em seu fazer, Loden tece uma crítica à eficiência, uma crítica à elegância, à perfeição. “Eu realmente odeio filmes lisos. Eles são perfeitos demais para ser críveis. E não me refiro apenas ao visual. Me refiro ao ritmo, à montagem, à música – tudo. Quanto mais lisa é a técnica, mais liso se torna o conteúdo, até que tudo se transforma em fórmica, incluindo as pessoas.” Barbara defende aqui, indiretamente, um cinema de arestas, um cinema de imperfeições, de desvios e incertezas. É nessa superfície porosa e imperfeita que o filme abre espaço para o depósito do real. Intuitivamente, Barbara aproxima-se da ideia de que o real é essencialmente ambíguo (BAZIN, 1991), entendendo que a simplificação, ou mesmo a racionalização, que tenta dobrar e moldar a realidade à ideia, são operações que empobrecem e reduzem a complexidade da experiência.

    Quando perguntada se seria o papel de um diretor de cinema sugerir alternativas aos problemas que retrata, responde que “deveria ser suficiente que artistas apresentem algo como eles veem.” Barbara e Wanda não querem trazer respostas. Não é ela ou o seu cinema que vão apontar a saída dessa sociedade machista e capitalista – lhe cabe olhar para as falhas desse sistema, para as pessoas que se perdem nessas rachaduras, que mais parecem abismos intransponíveis. Assim como Bazin, Barbara crê em uma imagem que revela o real, mas encara essa operação de forma mais pessimista. Sem fé no poder redentor do cinema, o santo de Barbara não faz milagre.

Bibliografia

    BAZIN, André. O cinema – ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.

    DURAS, Marguerite; KAZAN, Elia. Conversation about Wanda by Barbara Loden in Comparative Cinema, n. 8, 2016.

    GORFINKEL, Elena. Wanda’s Slowness: Enduring Insignificance in MARGULIES, Ivone e SZANIAWSKI, Jeremi eds. On Women’s Films: Across Worlds and Generations. Londres: Bloomsbury, 2019.

    LÉGER, Nathalie. Suite for Barbara Loden. Nova York: Dorothy Project, 2016.

    MADISON WOMEN´S MEDIA COLLECTIVE. Barbara Loden Revisited in Women and Film, Vol. 5-6, 1974, p.69.

    PHILLIPS, McCandlish. Barbara Loden Speaks of the World of Wanda. New York Times, 11 março de 1971, p.32.

    ROGERS, Anna Backman. Still Life – Notes on Barbara Loden’s Wanda (1970). Santa Barbara: Punctum Press, 2021

    THOMAS, Kevin. Miss Loden’s Wanda: ‘It’s Very Much Me’. Los Angeles Times, 8 de abril de 1971, p.1, p.17.