Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Diego Paleólogo (UERJ)

Minicurrículo

    Pós-doutorado em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ. Mestre em Letras pela PUC-Rio. Bacharel em Comunicação Social pela UFRJ. É artista visual e escritor. Desenvolve pesquisas nas seguintes áreas: literatura e imagem; questões de representação do corpo, alteridade, monstruosidades, estética e política; sexualidades disruptivas no cinema de terror; futuros imaginários e o apocalipse.

Ficha do Trabalho

Título

    “Fucking rich people”: necroliberalismo dos infernos!

Mesa

    Intertextualidades, Afetos e Infernos

Formato

    Presencial

Resumo

    “Fucking rich people!” é um desabafo de Grace em Casamento Sangrento, no momento em que tenta pedir ajuda e não consegue. Esse desabafo condensa a crescente insatisfação e precariedade de populações cada vez mais desamparadas financeiramente, enquanto uma parcela mínima detém as maiores fortunas do planeta. A cultura pop e o cinema mainstream são engenharias audiovisuais complexas nas quais, através de microfissuras, podemos vislumbrar a emergência dos efeitos radicais de políticas neoliberais.

Resumo expandido

    O audiovisual oferece performances, formas como podemos experimentar a vida. São pedagogias, epistemologias, éticas que podem funcionar como cartografias afetivas ou fagulhas que incendeiam subjetividades, despertam sonhos e mobilizam afetos. A cultura pop e o cinema mainstream são engenharias audiovisuais complexas nas quais, através de microfissuras e rachaduras, podemos vislumbrar as reificações e fantasmagorias de questões, ansiedades, angústia, medos e desejos de cada época. Reduzidas à fantasias ou sublimadas através de extrema violência, encantadas pela técnica ou aprisionadas em um roteiro inconsistente, as questões de uma época, o Zeitgeist cintila e pulsa nas narrativas. As pesquisas que venho realizando se inclinam no sentido de esgarçar essas fissuras, essas brechas, e convocar as produções audiovisuais da cultura pop para as potências políticas, éticas e estéticas da contemporaneidade.
    Na competição por uma vaga de gerente, para provar que é melhor que seu adversário, Christine Brown nega a prorrogação dos prazos de pagamento das prestações da casa de uma idosa. Horas após o casamento perfeito, Grace, que desejava pertencer a uma família, se encontra em um jogo doentio de vida ou morte. Crystal acorda amordaçada, no meio de uma floresta, e começa a ser caçada. Arraste-me para o Inferno (Sam Raimi, 2009), Casamento Sangrento (Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett, 2019) e A Caçada (Craig Zobel, 2020) são filmes que abordam, através das lentes do terror, os efeitos radicais das políticas neoliberais, as lutas de classes e as fantasias perigosas que assombram o imaginário capitalista contemporâneo. É possível notar que as narrativas tornam-se cada vez mais diretas e despidas de complexas alegorias. Nessa cartografia, é possível iluminar também Uma Noite de Crime (2013), The Belko Experiment (2016), Chucky (tanto filme quanto série, respectivamente, 2019 e 2021), Escape Room (2019), Bacurau (2019), Coringa (2019), Parasita (2019), O Poço (2019), Nós (2019), e Antebellum (2020).
    Todas essas narrativas apontam que há algo de perverso, sádico e sem limites no acúmulo de capital e na manutenção de hierarquias de poder. A pedagogia propõe uma relação íntima entre riqueza e crueldade. A atualização incessante das máquinas coloniais de captura, expropriação e destruição, acopladas aos regimes moleculares e fluídos de mercado, subjetividade e afetos, produz um cenário instável, em constante ebulição. Assimetrias sociais e econômicas, relações de poder e controle, privilégios alocados nos corpos (raça, gênero, sexualidade), tornam-se os territórios dos quais novas narrativas emergem ou antigas são atualizadas.
    Se os filmes de terror das décadas de 80 e 90 não mapeavam essas questões, ou faziam de forma sutil e apagada, a luta pela sobrevivência em um mundo hostil, no qual práticas econômicas e do mercado são integradas às produções de subjetividades, passa a ser ethos e pathos de um certo cinema de terror do século XXI. Jogos Mortais (2004) e Jogos Vorazes (2012) são exemplos dessas dinâmicas de competitividade, narcisismo e individualismo como políticas cotidianas. Trata-se da terrível compreensão de que a desumanização e insensibilidade tornam-se valores celebrados em sociedades neoliberais nas quais as sobrevivências dependem mais dos indivíduos do que das políticas públicas, direitos básicos e bem estar social. O medo do colapso social e econômico é fantasmagorizado e retroalimentado nessas narrativas.
    “Fucking rich people!” é um desabafo de Grace em Casamento Sangrento, no momento em que ela tenta pedir ajuda e não consegue. Esse desabafo condensa a crescente insatisfação e precariedade de populações cada vez mais desamparadas financeiramente, enquanto uma parcela mínima detém as maiores fortunas do planeta.

Bibliografia

    Cabanas, Edgar. Illouz, Eva. Happycracia: fabricando cidadãos felizes. Ubu Editora, São Paulo, 2022.
    Crary, Jonathan. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. Ubu Editora, São Paulo, 2016.
    Federici, Silvia. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. Editora Elefante, São Paulo, 2022.
    Halberstam, Jack. Wild Things: the disorder of desire. Duke University Press, 2020.
    Preciado, Paul. Necroliberalismo. Disponível em https://medium.com/@portudoquehademaisprofano/necroliberalismo-por-paul-b-preciado-3cb9b73a1663
    Rincón, Omar. Narrativas mediáticas. Gedisa Mexicana, México, 2006.
    Shaviro, Steven. O Corpo Cinemático. Paulus Editora, Rio de Janeiro, 2015.
    Zuboff, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. Intrínseca, Rio de Janeiro, 2021.