Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Milton do Prado Franco Neto (PUCRS)

Minicurrículo

    Doutorando no PPGCOM da PUCRS, bolsista parcial da CAPES. É mestre em Film Studies pela Concordia University (2011) e Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela UFRGS (1997). Participa do Kinepoliticom (CNPq): Grupo de Pesquisa em Cinema, Audiovisual, Estética, Comunicação e Política. É coordenador e professor do Curso de Realização Audiovisual da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e editor da revista Teorema – Crítica de Cinema, além de montador e produtor de cinema e TV.

Ficha do Trabalho

Título

    Duração e serialidade: os casos de La Flor e Twin Peaks – O Retorno

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta deste trabalho é analisar os casos do filme La Flor (2018) e da série Twin Peaks – O Retorno (2017) como exemplos de produtos que pensam e desafiam os limites narrativos e expressivos de seus respectivos formatos. Para isso, nos apoiamos em recentes reflexões sobre as transformações recentes do cinema enquanto estética, dispositivo e instituição promovida por alguns autores na última década (ANDREW, 2010; BELLOUR, 2012; AUMONT, 2013; GAUDREAULT e MARION, 2016; DUBOIS, 2019).

Resumo expandido

    A duração sempre foi um elemento importante no cinema, sendo inclusive definidora de formatos como curta, média e longa-metragem (pela duração total), séries e minisséries (pelo número e duração de seus episódios). Questões narrativas, estéticas e comerciais (de produção, distribuição e exibição) derivam destas definições, sendo o longa-metragem o formato principal do cinema como conhecemos até agora. No século XXI, essa primazia vem sendo desafiada por uma miríade de outros produtos audiovisuais, sendo que, no campo da ficção, o formato das séries é o principal concorrente.

    Alguns filmes na história do cinema desafiaram tanto a duração tradicional do longa-metragem, assim como possíveis intersecções com a série. Pensemos, por exemplo, em Out 1, de Jacques Rivette (nas suas versões de 1971, com 8 episódios totalizando 12h30; e a de 1974, de 4h); ou Berlin Alexanderplatz (1982), com seus 14 episódios de 15h30, para ficarmos com dois exemplos.

    Nos últimos anos, no entanto, temos visto alguns exemplos que vão ainda mais longe neste entrelaçamento de formatos. Em La Flor (2018), de Mariano Llinás, temos um filme dividido em três parte e seis episódios, em um total de quase 14 horas; já Twin Peaks – O Retorno (2017) tem dezoito episódios e 18h de duração e apresenta características de unidade incomuns para uma série, a começar pela direção autoral (David Lynch). A proposta desta apresentação é justamente examinar como um filme que se apresenta às vezes como série (La Flor) e uma série que pode ser vista como um filme (Twin Peaks) perturbam as noções correntes de cinema em termos de duração e unicidade.

    Para tanto, iremos analisar algumas características destes dois filmes-série com a ajuda de estudos que tentam entender as transformações recentes do cinema no século XXI proporcionadas pela virada digital. Isto pode ser pensando pela perspectiva da contaminação dispositivos do cinema e das artes visuais (BELLOUR, 2012; DUBOIS, 2019); pela defesa de um modelo de fruição ainda baseada numa ontologia cinematográfica (ANDREW, 2010; AUMONT, 2013); pelo entendimento da transformação digital do cinema e suas principais consequências como parte de uma revolução ou ruptura (GAUDREAULT e MARION, 2016); ou ainda pela reflexão sobre a experiência do expectador com vários dispositivos para ver um filme à disposição (MULVEY, 2011) .

    O objetivo, então, é entender como esses filmes-série pensam de seu interior a transformação de formato e natureza pela qual passa o cinema. Tanto La Flor quanto Twin Peaks – O Retorno colocam estes questionamentos a partir de suas durações, sua organização seriada e suas escolhas narrativas e estéticas.

    No primeiro caso, um filme de quase 14 horas, exige, para ser exibido, a divisão em partes. Porém, se a própria unidade do filme é fragmentada por episódios independentes (alguns deles que não coincidem com o final de cada parte), alguns destes episódios são por sua vez subdividido em tramas menores e não há quase nada em comum entre seus episódios, ainda faz sentido chamá-lo de filme?

    A noção de série é perturbada no segundo caso. O Retorno é uma série que explicita sua característica episódica de forma quase metalinguística (um show dentro de um bar encerra cada episódio); apresenta tramas e personagens secundários em profusão sem a necessidade de encerrar a maioria das narrativas secundárias; promove desvios experimentais imagéticos; apresenta um ritmo lento inédito para o formato normalmente associado com as séries; e é entendida como um projeto autoral de um só diretor (Lynch).

    As obras de Llinás e Lynch parecem tanto resultar do cinema fragmentado e repensado pelo digital do século atual, quanto repensar, em sua arquitetura interna, as próprias noções de cinema e audiovisual em suas diferentes possibilidades poéticas. Ancoradas ainda no prazer da ficção, expandem o cinema não para novos dispositivos, mas questionam os limites dos atuais para lidar com objetos tão estranhos.

Bibliografia

    ANDREW, Dudley. What Cinema Is! Nova Jersey: Wiley-Blackwell, 2010.
    AUMONT, Jacques. Que reste-t-il du cinéma? Paris: Vrin, 2013.
    BELLOUR, Raymond. La Querelle des dispositifs. Cinéma – installations, expositions. Paris: P.O.L éditeur, 2012.
    CIMENT, Michel. The State of Cinema. Página original do catálogo do 46th San Francisco International Film Festival (2003) fora do ar; texto original reproduzido em https://unspokencinema.blogspot.com/2006/10/state-of-cinema-m-ciment.html, consultado em 29/05/2022.
    DUBOIS, Philippe. Pós-fotografia, pós-cinema, os desafios do “pós”. In: FURTADO, Beatriz e Philippe Dubois. Pós-fotografia, pós-cinema: novas configurações das imagens.São Paulo: Edições SESC, 2019.
    FLANAGAN, Matthew. Towards an Aesthetic of Slow in Contemporary Cinema. Em 16:9 http://www.16-9.dk/2008-11/side11_inenglish.htm, consultado em 29/05/2022.
    MULVEY, Laura. Death 24x a Second: Stillness and the Moving Image. Londres: Reaktion Books, 2011.