Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Jamer Guterres de Mello (UAM)

Minicurrículo

    Docente no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, onde desenvolve pesquisas sobre estética e política no cinema do Oriente Médio e sobre as dimensões micropolíticas no documentário contemporâneo. Doutor em Comunicação pelo PPGCOM-UFRGS, com Pós-Doutorado (PNPD-CAPES) pelo PPGCOM-UAM. Autor dos livros “Semiótica crítica e as materialidades da comunicação” (UFRGS, 2020) e “A(na)rqueologias das Mídias” (Appris, 2017).

Ficha do Trabalho

Título

    Arquivo, memória e futuro: Kamal Aljafari e os espectros de Jaffa

Seminário

    Teoria de Cineastas

Formato

    Presencial

Resumo

    O objetivo desta proposta é investigar os procedimentos adotados pelo cineasta palestino Kamal Aljafari ao utilizar imagens já existentes para restaurar uma memória em constante apagamento, sobretudo seu empenho em recriar um arquivo imagético da cidade de Jaffa a partir do endereçamento de um imaginário futuro. Interessa particularmente observar o filme “Recollection” (2015), em que Aljafari opera um gesto substancial ao restituir uma memória perdida às imagens da cidade.

Resumo expandido

    “Para um palestino, o cinema é um país”, costuma dizer Kamal Aljafari, cineasta e artista palestino radicado em Berlim, cujos filmes buscam restabelecer a memória de um território comum entre as ruínas da Palestina. A afirmação é particularmente importante, uma vez que sua obra, de um modo geral, está preocupada em apresentar e discutir questões relativas ao cerceamento do território, à ressignificação da ideia de pertencimento e à negação da existência, práticas que carregam as marcas da violência imposta pelo projeto sionista no território da Cisjordânia há muitas décadas.
    O objetivo desta proposta é investigar os procedimentos adotados por Kamal Aljafari ao utilizar imagens já existentes para restaurar uma memória em constante apagamento, sobretudo seu empenho em recriar um arquivo imagético da cidade de Jaffa – tema principal de seus filmes – elaborando não apenas uma restituição arquitetônica do passado da cidade, mas produzindo narrativas que se evidenciam a partir do endereçamento de um imaginário futuro. Em outras palavras, seus filmes não são apenas documentações da condição sociopolítica e territorial dos palestinos, antes disso são investigações cinematográficas das imagens do passado, do presente e do futuro de Jaffa. O cineasta busca subverter aquilo que denomina como “ocupação cinematográfica”, as imagens de uma realidade ficcional imposta pelo domínio e pelo controle dos israelenses, na constante tentativa de eliminar visualmente os palestinos (HOCHBERG, 2017). Seu engajamento expõe o fracasso da fantasia colonial através de um modelo de reparação que devolve a presença dos palestinos às imagens, o que Aljafari chama de “justiça cinematográfica” (HOCHBERG, 2017).
    A esta proposta interessa particularmente observar o filme “Recollection” (2015), uma espécie de ensaio audiovisual construído a partir de um interesse investigativo claramente situado: capturar a realidade urbana de Jaffa a partir de sua contínua destruição e reconstrução, um espaço habitado por palestinos deslocados de sua origem e sitiados em um território ocupado e controlado. O método empreendido pelo cineasta é uma espécie de busca arqueológica (jamais cronológica), construída de forma rigorosa, mas que vai se desenvolvendo no decorrer do filme a partir de um raciocínio aparentemente errático. O cineasta vasculha filmes ficcionais israelenses na busca por indícios do apagamento do povo palestino, que é destituído de protagonismo.
    Na esteira de Edward Said, quando afirmava que “toda a história da luta palestina tem a ver com o desejo de ser visível” (2006, p. 2), o filme destaca a singularidade das imagens, a qualidade estética das ruínas urbanas e a presença inquietante dos palestinos, que em “Recollection” invadem o quadro cinematográfico. O resultado é inusitado e único. Kamal Aljafari opera um gesto substancial ao restituir uma memória perdida às imagens de Jaffa. Um gesto intencional de reconfiguração da cidade através da manipulação dos arquivos, ou como o cineasta costuma dizer: a partir de uma ação de sabotagem das imagens.

Bibliografia

    ANDERSON, B. Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
    BISHARA, M. Palestina/Israel: a paz ou o apartheid. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
    CORNEIL, M. K.; BOYLE, D. No Place Like Home: The Cinema of Kamal Aljafari. In: Revista Wuxia, n. 2, 2013.
    DELEUZE, G.; SANBAR, E. The Indians of Palestine. In: Discourse, v. 20, n. 3, 1998, pp. 25-29.
    HIMADA, N. This place they dried from the sea: an interview with Kamal Aljafari. In: Montreal Seria, 2010.
    HOCHBERG, G. From Cinematic Occupation to Cinematic Justice. Citational Practices in Kamal Aljafari’s Jaffa Trilogy. In: Third Text, v. 31, n. 4, 2017, pp. 533–547.
    PAPPÉ, I. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sunderman, 2016.
    SAID, E. A questão da Palestina. São Paulo: Unesp, 2012.
    SAID, E. Preface. In: DABASHI, H. Dreams of a Nation: on Palestinian Cinema. Londres: Verso, 2006.
    VARGAS, M. La (re)construcción de un territorio (im)posible. IN: Revista Al Zeytun, n. 1, 2017, pp. 86-91.