Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    ana rosa marques (UFRB)

Minicurrículo

    Ana Rosa Marques é professora do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia onde desenvolve atividades de pesquisa, ensino e extensão. É bacharel em Comunicação pela UFBA, mestre em Comunicação pela UFF e doutora em Comunicação e Culturas contemporâneas pela UFBA.

Ficha do Trabalho

Título

    O ensaio como campo de prática, criação e reflexão da montagem

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Formato

    Presencial

Resumo

    Por suas potencialidades pedagógicas em relação à imagem e por sua abertura às experimentações formais, venho adotando o ensaio como um campo de prática e criação na disciplina de montagem do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia desde 2018. A proposta é apresentar a experiência e discutir o ensaio como um campo formativo técnico-estético-político a partir da análise de algumas das obras produzidas pelos estudantes e de nossa metodologia de trabalho.

Resumo expandido

    Na última década, no Brasil, testemunhamos uma maior produção de filmes-ensaio, tanto em longa como em curta-metragem, como também um maior interesse de pesquisadores e teóricos sobre tais obras. No ensaio, a imagem é mais do que um elemento narrativo ou descritivo, é um objeto a ser investigado, analisado, desconstruído, reconstruído. Aqui o olho humano é convidado a ver a imagem como fruto de operações e jogos de poder que criam representações do mundo.
    Por suas potencialidades pedagógicas em relação à imagem e por sua abertura às experimentações formais, venho adotando o ensaio como um campo de prática e criação na disciplina de montagem do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia desde 2018 e minha proposta é apresentar a experiência e discutir o ensaio como um campo formativo técnico-estético-político a partir da análise de algumas das obras produzidas pelos estudantes e de nossa metodologia de trabalho.
    Partindo de uma constatação debordiana de que o mundo está saturado de imagens, seguimos o gesto do pensador/cineasta francês em produzir obras principalmente com imagens de arquivo: imagens domésticas, de câmeras de vigilância, filmes institucionais, registros de viagem ou propaganda, retiradas de filmes ou da Internet.
    A retomada de imagens no ensaio possibilita tanto sensibilizar o olhar para os significados invisíveis, porém latentes das imagens, como para desviá-los, transformá-los. Conforme afirma Antonio Weinrichter López: “Para fazer ensaio, já dissemos, há que se manipular a imagem, tratá-la como segunda camada; é preciso criar um espaço, uma distância para voltar a olhá-la”. (LOPEZ, 2015, p. 65). O uso das imagens de arquivo é uma das formas de criar essa distância, bem como o uso da narração e da montagem.
    Com a montagem, o estudante experimenta intervir na imagem, desnaturalizá-la, com operações como a parada e a repetição. Relaciona os diversos e heterogêneos materiais disponíveis (visuais e sonoros) para das imagens arrancar ou produzir outros sentidos, seja por aproximações, comparações, contrastes, generalizações. São as demandas estéticas da realização do ensaio que impulsionam o estudante a descobrir, investigar e experimentar as diversas ferramentas do software de montagem. A ferramenta de movimento, por exemplo, é um dos recursos mais explorados, visto que imagens fixas, como fotografias ou documentos, são materiais frequentemente explorados nas narrativas.
    Com uma metodologia de trabalho que articula a técnica com a estética, história e teoria da montagem, um dos autores/cineastas que nos inspiram no desenvolvimento dos exercícios é o já citado Guy Debord e sua poética do desvio. O desvio, para Debord, é retomar as imagens já existentes mudando seus objetivos ou funções originais, apagando os significados já cristalizados nas imagens. Na mesa de montagem, somos obrigados a encarar os desafios que a proposta debordiana nos coloca: como eliminar os discursos pré-estabelecidos na imagem quando eles já formaram nosso olhar e constituem toda uma cultura? O visionamento de referências audiovisuais e a discussão de autores como Jean Claude Bernardet (2004), que trata sobre a migração das imagens de uma obra para outra, nos ajuda a refletir e encontrar saídas.
    Interessante notar como muitos das reflexões propostas pelos estudantes em seus ensaios atravessam questões de raça, gênero, sexualidade ou classe social. O cinema-ensaio tem sido uma possibilidade de pensar sobre o seu lugar no mundo ou identidade. Como parte de grupos sociais ou identitários que geralmente são invisibilizados ou estereotipados na escrita da história, os estudantes, pela via do ensaio, buscam inscrever-se na história a partir das imagens de si, da narração em primeira pessoa e de experiências ou memórias pessoais. O desafio, conforme aponta López (2015, p.78), não é contar a vida de si, mas em falar a partir de si próprio. E a montagem é fundamental para construir essa voz única.

Bibliografia

    ALMEIDA, G. Ensaio, montagem e arqueologia crítica das imagens: um olhar à série História(s) do cinema, de Jean-Luc Godard. Tese (Doutorado) – UFRS, Porto Alegre, 2015.

    BERNARDET, Jean Claude. A migração das imagens. In: Teixeira, Francisco Elinaldo. (org.) Documentário no Brasil: Tradição e transformação. São Paulo: Summus, 2004. Pp. 69-80
    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa São Paulo: Paz e Terra, 1996
    LEANDRO, Anita. Desvios de imagens. E-compós, Brasília, v. 15, n.1, jan./abr. 2012.

    LOPEZ, Antonio W. Um conceito fugidio. Notas sobre o filme-ensaio. In: Teixeira, Francisco Elinaldo. (org.). O ensaio no cinema. São Paulo: Hucitec, 2015.

    MACHADO, PATRÍCIA. A retomada de imagens de arquivo: de Debord ao cinema brasileiro contemporâneo. ALCEU (ONLINE) , v. 19, p. 1, 2018.

    MIGLIORIN, Cezar; BARROSO, Elianne. Pedagogias do cinema, montagem. In: Migliorin, Cezar. Cinema de brincar. Belo Horizonte: Relicário, 2019. Pp. 91-108.