Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Daniela Moreira de Faria de Oliveira Rosa (UFRJ)

Minicurrículo

    Daniela M. F. Rosa é mestre em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ. Membro do grupo de pesquisa FIP (Fotografia, Imagem e Pensamento), realizou pesquisa sobre as interseções entre o cinema e a arte. Atualmente, é doutoranda nem Antropologia Social no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), onde desenvolve pesquisa a cerca das estéticas na música e no cinema produzidas pela população que habita regiões periféricas na cidade.

Ficha do Trabalho

Título

    “Tá gravando?”: realismo contra-hegemônico no Pena Máxima

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Formato

    Presencial

Resumo

    O Pena Máxima constitui aquilo que Bell Hooks considerou como uma existência contra-hemônica por si só, em sua própria presença (HOOKS, 1989). Como produtora audiovisual, escola de atores e um projeto social gerenciado e voltado por pessoas cuja existência é atravessada pela estimação e segregação social, racial e de gênero, o Pena Máxima instaura a disrupção necessária para uma revisão dos modos de representar estes grupos sociais.

Resumo expandido

    É noite e dois homens ocupam os bancos dianteiros de um carro esportivo, que percorre as ruas estreitas de uma favela em Niterói. Enquanto um deles dirige, o outro sintoniza com a mão esquerda a estação da rádio que toca funk, e com a direita, sustenta um fuzil apoiado na janela do banco do carona. A cena é tão “real” que confunde o cinegrafista e o técnico de som sentados no banco de trás, que, com a câmera e o gravador ligados, conversam baixinho entre si: “já é pra gravar?”.
    Gilson da Maia, fundador e diretor do Instituto Cultural Pena Máxima, fala muito mais em “realismo” do que costuma dizer “ação” em seu set de filmagem – o que levou à confusão os dois profissionais que gravavam pela primeira vez com o grupo. Orientados por Gilson, a performance dos atores do Pena Máxima busca sua inspiração no cotidiano que vivenciaram (ou ainda vivenciam) nas periferias da cidade, assumindo os diferentes papéis que conhecem por proximidade. Em uma espécie de jogo, reina o improviso, onde só aquele que, através de sua experiência pessoal, pode dizer que “sabe como realmente é” aquela situação, ao ponto de se esquecer de si para adentrar na cadência do imprevisível – entre os gestos e os silêncios – que a interação entre os corpos em cena sucinta.
    O Pena Máxima é, a um só tempo, produtora audiovisual, escola de atores e projeto social, fundado e gerenciado por pessoas cuja existência é marcada diretamente por opressões sociais, raciais e de gênero. Na experiência de Gilson, estas opressões tiveram papel decisivo na cadeia de ações que resultou em uma pena de 9 anos de reclusão em regime fechado – 7 deles em um estado da mais profunda solidão, sem quaisquer visitas do mundo exterior. Foi neste período em que ele começou a articular o que se tornaria o Pena Máxima, que hoje conta mais de 100 membros que, assim como Gilson, encontraram no fazer fílmico um modo de se rearticular com o mundo.
    Mas, falar em “realismo” quando pensamos nas produções do Instituto Cultural Pena Máxima requer a necessidade de uma revisão do conceito que tem sido historicamente assimilado por discursos e representações dominantes. Historicamente, a estética realista nas representações cinematográficas hegemônicas das periferias urbanas e rurais no Brasil tem estado imersa em uma série de práticas e discursos alienantes da diversidade destes lugares, dos indivíduos que os habitam e das práticas que estabelecem entre si. Ao propor um “realismo do gesto”, que se dá através da performance com relações estreitas no cotidiano, indivíduos historicamente representados na condição de “objetos transparentes” assumem o papel de autores das imagens que produzem eles próprios sobre si. As primeiras cenas do Pena Máxima, gravadas quando Gilson ainda cumpria o regime semi-aberto com a câmera de um celular BlackBerry, mostram os movimentos no interior das celas, performados por aqueles mesmos que as habitavam havia pouco. Nelas, não se confundem somente o vivido e o encenado, mas também as fronteiras entre o crime e a lei, na concepção de um Estado que é produzido no limite de suas margens (DAS e POOLE, 2008). É neste sentido que a presença em si do Pena Máxima é contra-hegemônica (HOOKS, 1989).
    Sendo assim, o que podem fazer os planos-sequências orientados por um “realismo do gesto” (não essencial, sempre da presença, do aqui e agora, materialista, próximo e cotidiano, da experiência) que na duração do tempo da cena dá a ver os diferentes personagens em Relação (GLISSANT, 2002)? O que a polifonia das cena onde cada um vivencia um determinado papel no jogo aberto e sem roteiro, que se torna um terreno fértil e um território inventado, produzem enquanto linguagem? O que acontece quando um discurso hegemônico é desautorizado pelos ativismos do lugar de fala (MOMBAÇA, 2021)? São essas algumas das questões que surgiram para mim em minha experiência com o Instituto Cultural Pena Máxima.

Bibliografia

    DAS, Veena e POOLE, Deborah. “El Estado y sus márgenes. Etnografías comparadas.” Revista Académica de Relaciones Internacionales, 8, 2008, 1-39.
    MOMBAÇA, Jota. “Não vão nos matar agora”. Rio de Janeiro: Cogobó, 2021.
    HOOKS, Bell. “CHOOSING THE MARGIN AS A SPACE OF RADICAL OPENNESS.” Framework: The Journal of Cinema and Media, no. 36, 1989, pp. 15–23. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/44111660. Accesso em 29 de Maio de 2022.
    GLISSANT, Edouard. “El Discurso Antillano”. Caracas: Monte Ávila Editores, 2002.