Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Natália Mendes Maia (UFC)

Minicurrículo

    Natália Maia é mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM-UFC (Linha 1: Fotografia e Audiovisual). Escreveu “Pacarrete” (2019), é criadora de “Lana & Carol” (Canal Futura) e roteirista do longa “A Estranha Familiar”. Integrou o Núcleo de Roteiros da Tardo Filmes (Ancine, 2016). Escreveu e dirigiu três curtas-metragens, ministrou cursos livres de roteiro e colaborou com o Laboratório de Roteiro da UFC (Laboro). Em 2021, foi professora da Uni7 e em 2022 ministrou o Ateliê Prático de Roteiro do CCBJ.

Ficha do Trabalho

Título

    A construção de atmosferas fantasmagóricas no roteiro de Los Silencios

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    O filme “Los Silencios” (Beatriz Seigner, 2017), se passa na Ilha da Fantasia, situada fronteira tríplice entre Colômbia, Brasil e Peru. Este espaço também inscreve uma fronteira entre ficção e documentário e o mundo dos vivos e mortos, onde fantasmas habitam as margens, o “entrelugar”. A partir dessas presenças fantasmagóricas, é possível refletir sobre a construção de atmosferas no texto do roteiro, com base na discussão sobre atmosfera fílmica (GIL, 2012) e Stimmung (GUMBRECHT, 2011).

Resumo expandido

    No filme “Los Silencios” (2017), segundo longa-metragem escrito, dirigido e produzido por Beatriz Seigner cujo roteiro foi publicado pela editora Autonomia Literária em 2019, Amparo e seus dois filhos, Núria e Fábio, fogem do conflito armado na Colômbia e desembarcam na Ilha da Fantasia, fronteira entre o país, o Brasil e o Peru. A vida da família se altera quando o fantasma do pai, Adão, reaparece misteriosamente em sua nova casa. O fantasma é uma entidade das margens, “que habita no território impreciso entre a vida e a morte; localiza-se na dimensão do ‘entrelugar’” (FELINTO, 2008, p. 21). Essa morada fronteiriça, no plano geográfico, é também do fluxo da memória.

    De acordo com Marçal (2020), ao conhecer a Ilha da Fantasia e suas histórias de fantasmas e incorporações, Seigner aprofundou a mitologia da narrativa. Adão é um fantasma que ocupa espaços da intimidade. Também Núria, filha silenciosa do casal, descobre ser um fantasma. Os corpos dos dois são marcados por adornos fluorescentes, que mais tarde se revelam marcas que separam os mortos dos vivos.

    O filme se desenvolve em uma tensão entre documentário e ficção, evidente na sequência da assembleia dos mortos. “É a cena mais potente do filme, é o ápice do filme. Então para mim o lugar desse encontro entre a ficção e o documentário, entre essas fronteiras. E eu acho que ali a gente chegou num lugar muito potente, narrativamente. Foi essa costura. E aí que eu descobri que a cena que eu tinha escrito, que eu achava que era sobre o tratado de paz, era sobre o perdão. A questão era muito mais profunda” (SEIGNER, 2019c, apud MARÇAL, 2020, p. 184). Para Felinto (2008, p. 57), “[O fantasma] constitui a parcela de irrealidade que contamina irreflexivamente toda tentativa de realismo”.

    Depois da assembleia, Amparo recebe a caixa com os ossos de Adão e Núria e pode concluir o rito de passagem. Seigner escreve, na última cena do roteiro: “EXT. NOITE. CANOAS DO FINAL DO RIO. Amparo e Fábio depositam num pedaço de chão de madeira flutuante as roupas de Adão e de Núria, e a caixa com seus ossos. Algumas pessoas fazem o mesmo, com outras roupas, e objetos. Atam fogo. Abuelita começa a puxar uma música xamânica. As demais pessoas da comunidade se unem a seu canto. Voltam para sua canoa. Amparo e Fábio observam o fogo. As canoas estão em círculo em volta do chão flutuante com a fogueira no meio. Índios com pinturas, colares e cocares em neon aparecem entre a comunidade que canta. Em seguida, aparecem também, entre as pessoas que cantam nas canoas, os fantasmas da assembleia com pinturas indígenas fluorescentes nos rostos. Na canoa de Amparo, Fábio e Abuelita, aparecem Adão e Núria. Fecham os olhos, e suas pálpebras reluzem fluorescentes”.

    Em “Los Silencios” podemos observar uma “continuidade subterrânea”, conceituada por Marguerite Duras a partir no roteiro de “Hiroshima Meu Amor”, conforme Leverdière (2022, p. 12): a autora rodeia as palavras de silêncios e se detém sobre uma história abrangente de acontecimentos e personagens que o filme não explica.

    Interessa refletir como as atmosferas nas cenas do roteiro são construídas por meio da presença desses fantasmas. Inês Gil (2012) afirma que a atmosfera fílmica é algo fugidio, com a capacidade de exprimir o não figurável, intangível e abstrato. “A atmosfera temporal de um plano, de uma cena ou de um filme está ligada ao ritmo de cada um e da sua própria montagem. Os ritmos das formas, dos movimentos e dos sons relacionam-se entre si e criam sentidos” (Ibidem, p. 145).

    Esse conceito se relaciona com o de Stimmung, trabalhado por Gumbrecht (2011). Ao discorrer sobre a atmosfera na literatura, ele aponta que a representação não é o centro da questão, mas uma atenção às formas que envolvem nosso corpo enquanto realidade física. “A ânsia pelo ambiente e pela atmosfera é uma ânsia pela presença” (Ibidem, p.32). Ao propor a designação “atmosferas fantasmagóricas” é feita uma aproximação com o “realismo fantasmagórico” (MELLO, 2015)

Bibliografia

    DURAS, Marguerite. Hiroshima Meu Amor. Belo Horizonte: Relicário, 2022.

    GIL, Inês. Atmosfera como figura fílmica. In: Estética e Tecnologias da Imagem, Vol. 1. Atas do III Sopcom, VI Lusocom e II Ibérico. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2012.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung: sobre um potencial oculto da literatura. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2014.

    FELINTO, Erick. A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

    FER, Ester Marçal. O processo criativo do roteiro de ‘Los Silencios’: uma aproximação. In: Epistemologias do Sul, v. 4, n. 2, p. 172-187, 202

    MELLO, Cecília. O cinema contemporâneo do leste asiático: Da ontologia e seus fantasmas. In: MELLO, Cecília (org.). Realismo Fantasmagórico. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2015.

    SEIGNER, Beatriz. Los Silencios. Escrito e dirigido por Beatriz Seigner. São Paulo, SP: Autonomia Literária, 2019