Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    TAINA XAVIER PEREIRA HUHOLD (UFF / ESPM)

Minicurrículo

    Doutoranda no PPGCine da UFF e professora na ESPM Rio.

Ficha do Trabalho

Título

    Reflexões sobre o espaço cênico cinematográfico.

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Este texto propõe uma revisão bibliográfica da categoria espacial no cinema. Partindo das concepções de Serge Daney sobre cenografia se examinará as implicações da perspectiva baziniana para um novo estatuto espacial que a imagem cinematográfica inaugura no cinema moderno. Se recorrerá, ainda, a duas formulações distintas sobre imagem-espaço: a que Diogo Velasco propõe a partir de Deleuze e Massey e a proposta por Antoine Gaudin, que inclui o espaço inscrito no corpo fílmico.

Resumo expandido

    Serge Daney (2007), reconhece três fases da cenografia que dialogam com os pressupostos estéticos e programáticos dos cinemas “clássico”, “moderno” e de um terceiro tipo, que traria “o cinema como tela de fundo”. No cinema clássico, estaríamos diante da “época de ouro da cenografia”, cujo propósito principal seria a fabricação de uma “profundidade desejada”, que Léon Barsacq aponta como tendo sido introduzida pelo italiano Enrico Guazzoni (BARSACQ, 1970, p. 24) e tornada paradigma, em busca de contornar as limitações da bidimensionalidade da tela de projeção.
    Após a segunda grande guerra, Daney nota que algo quebra o pacto que sustentava o cinema clássico (e sua cenografia), abrindo espaço para o cinema moderno que “nasceu – não por acaso – na Europa destruída e traumatizada do pós-guerra, sobre as ruínas de um cinema enfraquecido e desqualificado, sobre a recusa fundamental da aparência, da direção, da cena.” (DANEY, 2007, p. 251)
    As análises de André Bazin sobre os filmes do neorrealismo revelam a busca de um cinema que expresse a poesia do real, onde “o respeito fotográfico pela unidade do espaço” (BAZIN, 1991, p. 59) ganha centralidade. Paradoxalmente, parece desdobrar-se deste exame, um apagamento da presença da cenografia, que finda por ser imiscuída no “terreno social em que ele [o roteiro do filme italiano] se enraizou” (p. 238). Desconsidera-se, portanto, seus procedimentos e artifícios, como as implicações da cenografia em “Ladrões de Bicicleta”, especialmente nos ambientes interiores, claramente adequados aos propósitos narrativos e dramáticos da representação de uma classe social determinada. Também parece pouco notada, na análise de “Umberto D”, a condição estruturante do cenário, essencial para a obtenção da fluidez das imagens que alcançam “imitação total da vida” (p. 293), que encantou o crítico.
    Ao examinar o espaço cinematográfico no cinema, Diogo Velasco se utiliza dos pensamentos de Gilles Deleuze e Doreen Massey para formular a categoria imagem-espaço, propondo uma aproximação deste que ultrapassasse sua determinação em torno “de uma aparência do físico, extensivo, homogêneo e superficial” (VELASCO, 2020, p. 164). Interessa, na reflexão de Velasco, tanto o reconhecimento da co-constituição do espaço com o tempo, quanto as ferramentas metodológicas propostas para se pensar uma abertura espacial no cinema moderno onde, atingindo o regime de imagens-espaço puras e diretas, “o espaço pode ser problematizado por suas várias dimensões interconectadas (estética, social, física e simbólica).” (VELASCO, 2020, p. 165)
    Daney aponta, como terceiro paradigma a cenografia da “visita-guiada” que, sucedendo ao advento da imagem televisiva, retorna ao exame do cinema como história e repositório. Já Oliveira Jr. aponta a relação desta cenografia com o cinema “maneirista”, onde “o fundo da imagem é sempre já uma imagem” (DANEY apud OLIVEIRA JR, 2013, p. 170). Por outro lado, a relação com as imagens já feitas, com todos filmes já filmados do cinema clássico e do cinema moderno, pode dar lugar a um olhar nostálgico, que percebe que algo se perdeu para sempre, que faz a imagem se esgarçar em outra experiência de espaço-tempo.
    Ao dialogar com a pergunta “Então, o barroco?” que encerra o texto de Daney, Oliveira Jr. aponta para o surgimento de um cinema do “retorno à matéria”, da “transformação da mise en scène num movimento contínuo de energias e forças.” (OLIVEIRA JR, 2013, p. 170)
    É partindo desta perspectiva que surge a última concepção de espaço que cotejaremos nesta revisão: a Imagem-Espaço que Antoine Gaudin propõe. Quando diferencia duas dimensões do espaço cinematográfico, o autor reconhece a diferença entre o espaço retratado (portanto, partícipe da representação e estruturante da mise-en-scène) e o espaço inscrito no corpo fílmico, “que deve ser considerada como uma estrutura físico-dinâmica primária, dentro da qual se inscreve uma interação contínua entre o vazio e a totalidade.” (GAUDIN, 2019, p. 195).

Bibliografia

    BARSACQ, Léon. Le décor de film. Paris: Éditions Seghers, 1970.

    BAZIN, André. O cinema: ensaios. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.

    DANEY, Serge. A rampa: Bis. Em: A Rampa: Cahiers di Cinéma (1970 – 1982). São Paulo: Cosac & Naify, 2007.

    GAUDIN, Antoine. The Viewer’s Embodiment into Cinematic Space. Notes on a “Space-Image” Cinema. Em: ROSÁRIO, Filipa; ÁLVAREZ, Iván (Eds.). New Approaches to Cinematic Space. New York; London: Routledge, 2019. p. 193–204.

    OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. A mise en scène no cinema: Do clássico ao cinema de fluxo. Campinas, SP: Papirus, 2013.

    VELASCO, Diogo Cavalcanti. Imagem-Espaço. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, [S. l.], v. v. 9 n. 1 : REBECA 17, 2020. DOI: https://doi.org/10.22475/rebeca.v9n1.616. Acesso em: 25 maio. 2022.