Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Rogério Ferraraz (UAM)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP, 2003) e Mestre em Multimeios (Unicamp, 1998). É professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi desde 2006. Autor de diversos artigos e capítulos de livros, com ênfase em Cinema e Televisão. É líder do GP Estudos do Horror e do Insólito na Comunicação (UAM/CNPq). Foi membro do Conselho Deliberativo da SOCINE.

Ficha do Trabalho

Título

    O retorno do reprimido como horror inquietante em Trabalhar cansa

Mesa

    Estudos do horror contemporâneo

Formato

    Presencial

Resumo

    Através da análise de Trabalhar cansa (2011), de Juliana Rojas e Marco Dutra, pretendemos demonstrar como os elementos de horror presentes no filme podem ser vistos como sintomas das angústias sociopolíticas essenciais para se compreender a posterior ascensão do bolsonarismo no Brasil. Serão abordados elementos de horror relacionados ao conceito freudiano de Das Unheimliche (o inquietante ou o infamiliar), segundo o qual o estranho é algo reprimido que deveria permanecer oculto, mas (re)emerge.

Resumo expandido

    Ao discutir a produção de filmes de horror no Brasil no começo da segunda década do século XXI, Laura Cánepa (2013, p. 37) afirmava que alguns filmes brasileiros voltados à representação de tensões sociais contemporâneas (em particular, as desigualdades sociais no Brasil) remetiam a experiências limítrofes com o horror pelo uso mais ou menos evidente de recursos de estilo do gênero em obras que não necessariamente se identificavam como “filmes de horror”. Segundo a autora, “de alguma forma, a desigualdade social, a falta de perspectivas e a herança da escravidão, tratadas ao longo da história do cinema brasileiro em várias chaves (…) têm ganhado, nesses filmes, abordagens do ponto de vista de uma atmosfera de horror” (Cánepa, 2013, p. 37).

    Na ocasião, um dos longas-metragens brasileiros mencionados por Cánepa foi Trabalhar cansa (Brasil, 2011), de Juliana Rojas e Marco Dutra, primeiro longa-metragem dirigido pela dupla responsável por curtas-metragens premiados internacionalmente, como Um ramo (2007) e As sombras ( 2009). Na mesma época, Mariana Souto, no artigo O que teme a classe média brasileira? – “Trabalhar Cansa” e o horror no cinema contemporâneo (2012), afirmava que o filme de Rojas e Dutra fornecia uma figuração multifacetada dos medos contemporâneos da classe média brasileira (2012, p. 45), e que Trabalhar cansa fazia alusão aos recalques das personagens, incapazes de conversar sobre aquilo que as apavorava (2012, p. 56).

    Com o passar do tempo, Trabalhar cansa revelou-se como obra modelar para esse fenômeno da articulação entre o cinema de horror no Brasil e o debate sobre a atual crise político-econômico-social que se tornou mais evidente a partir do ano de 2013. No filme, Helena (uma mulher entre 30 e 40 anos, classe média) decide realizar o sonho de abrir seu primeiro estabelecimento comercial: um minimercado. Para as tarefas domésticas, ela contrata a empregada Paula. Quando o marido de Helena, Otávio, perde o emprego como gerente em uma grande empresa, as relações pessoais e de trabalho entre os três personagens sofrem uma inversão e, ao mesmo tempo, ocorrências perturbadoras, ou inquietantes (em particular, uma carcaça de monstro emparedada que contamina todo o minimercado), começam a ameaçar os negócios de Helena, enquanto Otávio não consegue se recolocar no mercado de trabalho.

    Em nossa análise de Trabalhar Cansa, pretendemos demonstrar como os elementos de horror presentes na obra podem ser vistos como sintoma (ou prenúncio) da emergência indisfarçável das angústias sociopolíticas e econômicas que são essenciais para compreender a posterior ascensão do bolsonarismo no Brasil, atrelado a um discurso e projeto neoliberal. Principalmente, serão abordados aqueles elementos de horror relacionados ao conceito freudiano de Das Unheimliche, que pode ser traduzido como o inquietante ou o infamiliar: algo reprimido que retorna, que deveria permanecer oculto, mas que (re)aparece, provocando sensações de profundo estranhamento e perturbação em ambientes outrora familiares.

Bibliografia

    CÁNEPA, Laura. “Horrores do Brasil”. In: Revista Filme Cultura, 61 (2013), 33-37.
    CARROL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999.
    FREUD, Sigmund. O inquietante. In: Freud (1917-1920) Obras Completas, v. 14: “O homem dos lobos” e outros textos. SP: Companhia Das Letras, 2010, 329 – 376.
    PERRONE, Gabriel; FERRARAZ, Rogerio. “Narrativas inquietantes do horror contemporâneo: o estranhamento em Haneke e Lynch”. In: Revista Ícone, Vol. 17, N. 3. Recife, 2012, p. 396–414.
    SOUTO, Mariana. “O que teme a classe média brasileira? Trabalhar Cansa e o horror no cinema brasileiro contemporâneo”. In: Revista Contracampo, nº25, dez. de2012. Niterói: Contracampo, 2012, p. 43-60.
    TRÍAS, Eugênio. Lo Bello y lo siniestro. Madri: Del Cardo, 2001.