Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Thomaz Marcondes Garcia Pedro (USP – DIVERSITAS)

Minicurrículo

    Thomaz Pedro é cineasta, pesquisador e professor de audiovisual. Formado em Comunicação e Multimeios e fez mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP. Está atualmente fazendo o doutorado na USP – Universidade de São Paulo, sobre o uso de mídias por indígenas na região do Xingu, no DIVERSITAS, núcleo interdisciplinar de pesquisa. Foi professor nos cursos de cinema da Universidades Anhembi Morumbi e do Centro Universitários Senac.

Ficha do Trabalho

Título

    O processo de restituição do filme Kalapalo (1955) no Alto Xingu

Formato

    Presencial

Resumo

    A comunicação trata do processo de restituição – ou seja, a devolução das imagens aos protagonistas – do filme Kalapalo, de 1955, dirigido por William Gericke. Após a exibição do filme para o povo Kalapalo, no Território Indígena do Xingu, surgiu a proposta de criação de um novo filme. Acreditamos que a restituição ativou questões ligadas à memória e também desencadeou um impulso de criação de um novo filme, que conta a história a partir do ponto de vista dos próprios Kalapalo.

Resumo expandido

    As transformações que as comunidades indígenas vivem com a intensificação do contato com a sociedade envolvente tem diferentes facetas e consequências, uma delas é a apropriação e utilização de meios de produção e circulação de imagem e de mídias (Ginsburg, 2002). Acreditamos, assim como Stam e Shohat (2005), que sociedades que foram historicamente marginalizadas em termos de representação passam a contar suas histórias dos seus pontos de vista a partir da apropriação de dispositivos midiáticos. Este processo é bastante evidente na aldeia Aiha, do povo Kalapalo no Território Indigena do Xingu, no Mato Grosso, grupo que trabalho desde 2015 realizando oficinas de produção audiovisual em um processo de produção partilhada do conhecimento (Bairon e Lazaneo, 2013). Um aspecto central da relação dos Kalapalo com a produção de imagens está ligado à vontade de acessar e guardar registros antigos do seu povo. Para os Kalapalo o audiovisual tem a capacidade de tisügühütu ongitelu, que pode ser traduzida como “guardar o nosso jeito de ser” ou seja o cinema, tanto produzido antigamente, como também o que eles produzem ainda hoje, tem uma carga de uma memória cultural de extrema importância para esse grupo.
    Os Kalapalo já tinham conhecimento da existência do filme Kalapalo (55min), de 1955, feito por William Gericke, e em diferentes situações nos pediram para trazer o filme à eles. Buscamos uma cópia disponível na Cinemateca de São Paulo, mas não foi possível acessá-la, já que a instituição está passando por um processo de desmonte. Conseguimos uma cópia com o MALBA, o Museo de Artes Latinoamericanas de Buenos Aires. Com o filme em mãos, organizamos uma viagem e voltamos mais uma vez ao Xingu e realizamos o processo de restituição (RIAL, 2016; DA CUNHA e CAYUBI, 2009), exibindo o filme no centro da aldeia.
    O filme Kalapalo, acompanha a volta do sertanista Ayres da Cunha à aldeia do povo indígena Kalapalo, no Alto Xingu. Ayres havia participado da expedição Roncador Xingu, comandada pelos irmãos Villas Boas e, durante essa expedição, conheceu e decidiu se casar com a indígena Jakuí Kalapalo. O caso do casamento teve grande repercussão na mídia nacional e, conforme argumenta Franco Neto (2008), também funcionou como uma estratégia de administração do contato da parte dos Kalapalo com os não-indígenas. Algum tempo depois, a indígena acaba falecendo por complicações no parto. Ayres da Cunha volta à aldeia com um grande mausoléu, com o rosto de Jakuí insculpido em bronze. O cinegrafista William Gericke acompanhou o sertanista neste processo e registrou uma série de outros aspectos da vida dos Kalapalo no Alto Xingu. O filme apresenta os Kalapalo de uma forma bastante exotizante, como “índios selvagens”, que vivem no meio da floresta e que mantêm seus modos de vida como há milhares de anos. Esta perspectiva repete o padrão de outros filmes produzidos nessa época que ficaram conhecidos como naturais ou de cavação (BERNARDET, 2009). Para mostrar esse lado exotico o filme tem registros de cantos e de danças; dos pajés fazendo seus trabalhos de cura; a troca de presentes entre os visitantes e os indígenas; a luta huka-huka; entre outros.
    Ao assistir o filme os Kalapalo vibravam e gritavam, apontavam a tela, reconheciam parentes e faziam diversos comentários. Depois da exibição “oficial” no centro da aldeia, um grupo de Kalapalo com quem já realizamos oficinas de cinema antes, propôs a criação de um novo filme. A ideia seria a de contar, a partir da perspectiva dos Kalapalo, o que havia sido mostrado no filme. Além disso, os Kalapalo também queriam contar a versão deles do caso de Jakuí e do sertanista Ayres da Cunha. Este filme ainda está em processo de tradução e finalização, portanto o que apresentamos aqui são os resultados preliminares desse processo de restituição e as consequência da perspectiva dos Kalapalo.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro : propostas para uma história / Jean-Claude
    Bernardet. São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

    BAIRON, Sergio; LAZANEO, C. S. Produção Partilhada do Conhecimento: Do filme à Hipermídia. In: Maria Cristina Castilho Costa. 1ed.São Paulo: 2013

    DA CUNHA, Edgar Teodoro e CAYUBI, Sylvia. Landscapes of memory: the first visual images of the Bororo of Central Brazil1. IN: VIBRANT, the journal of the Brazilian Anthropology Association. Vibrant v.16: Brasília, 2019

    GINSBURG, Faye. Screen Memories: Resignifying the Traditional in Indigenous Media. IN: Media Worlds: Anthopolgy on new terrain. Los Angeles: University of California Press, 2002

    RIAL, Carmen. Roubar a alma – ou as dificuldades da restituição IN: Antropologia audiovisual na prática. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2016.

    SHOHAT, Ella e STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica: Multiculturalismo e Representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006.