Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Márcia Bessa (Márcia C. S. Sousa) (UFF)

Minicurrículo

    Doutora em Memória Social (UNIRIO/UChicago), Mestre em Ciência da Arte e Bacharel em Cinema & Vídeo (IACS/UFF) e Licenciada em Artes Visuais (FAMOSP). Foi pesquisadora-residente PNAP-R/FBN. Em 2018, concluiu seu primeiro estágio pós-doutoral na ECO/UFRJ. Participa como pesquisadora associada no GP-CNPq, CIEC/UFRJ. Atualmente é Pós-Doutoranda no PPGCINE/UFF, produtora e artista A/v no Coletivo DUO2X4 e docente na Escola de Cinema Darcy Ribeiro (IBAv), na Pós-CAL e no CECIERJ/CEDERJ.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema de ‘pós-continuidade(s)’ e a montagem fílmica

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Formato

    Presencial

Resumo

    Partindo de conceitos e características das noções de continuidade intensificada e pós-continuidade – estabelecidas por Bordwell (2006) e Shaviro (2012), respectivamente –, esse trabalho tenta pensar o sistema de continuidade cinematográfico em suas relações com a montagem fílmica hoje; ressaltando as questões da hiperaceleração, sensorialidade e espetacularização espaço-temporal no cinema contemporâneo, sobretudo em filmes de ação comerciais mais afinados com o modelo dominante hollywoodiano.

Resumo expandido

    A partir de especificidades e definições dos conceitos de “continuidade intensificada” – como sendo “a continuidade tradicional aumentada, elevada a um nível maior de ênfase” (BORDWELL, 2006, p. 120) – e de “pós-continuidade” (SHAVIRO, 2012) – que privilegia o imediatismo e a sensorialidade ilimitados –, e seus reflexos formais no blockbuster hollywoodiano contemporâneo, depreendemos que a essência do paradigma clássico permanece viva sobretudo nos raccords centrados nos eixos de ação e olhar e na montagem que respeita a intenção dramática e a causalidade. Os padrões tecno-estéticos e os recursos tecnológicos utilizados em prol de uma experiência cinematográfica mais imersiva não são propriamente a negação do modelo dominante, que permanece transmutado em novos e singulares estilos fílmicos das últimas duas décadas e influenciam longas-metragens comerciais de uma maneira geral.
    Segundo Jullier e Marie (2009, p. 216), as tecnologias digitais, cada vez mais avançadas, viabilizaram a transição de um cinema teatral (do quadro-palco) para outro pictórico (do quadro-mutante) e, cenas inteiras se efetivam através de códigos alfanuméricos, compostas pela sobreposição dos “planos-telas” e por imagens hiper-realistas. O cinema dominante absorve muitas dessas inovações, incorporando-as ao seu próprio sistema e garantindo sua manutenção. E isso acontece em síntese revisando e ramificando a noção de “continuidade intensificada”, como propõe David Bordwell, ao dizer que “[…] Longe de rejeitar a continuidade tradicional em nome da fragmentação e da incoerência, o novo estilo equivale a uma intensificação das técnicas estabelecidas” (2006, p. 120).
    As regras de continuidade fundamentaram as bases do cinema clássico narrativo, refletindo-se, particularmente, no sistema de representação naturalista hollywoodiano. Como nos diz Amiel (2007, p. 22), a historiografia do cinema, assenta-se no próprio princípio da decupagem clássica. “E ainda hoje, evidentemente, a maioria dos filmes utiliza esta convenção, segundo a qual as imagens devem contar uma história, participar num projecto de narrativa”. A história mantém o espectador suspenso e impõe uma escrita fílmica que liga os planos entre si, dando-lhes equilíbrio individual para que só possam ser apreciados e entendidos em sua sucessão contínua. E as próprias transformações pelas quais vem passando o cinema dominante ao longo de sua trajetória de existência vêm servindo de sustentáculo para a reafirmação do cinema Hollywoodiano como forma de contar histórias audiovisuais pela continuidade de fatos e pela contiguidade da lógica espaço-temporal fílmica.
    Das vanguardas audiovisuais ao cinema de “pós-continuidade” (SHAVIRO, 2012), discursos dissonantes e rupturas propostas, que possibilitaram reflexões e avanços essenciais à evolução e sobrevivência da produção cinematográfica não romperam completamente com os ditames do sistema de continuidade, mantendo o cinema clássico narrativo ainda como o modelo dominante nos circuitos comerciais ocidentais. Sendo assim, quais seriam as consequências para a montagem fílmica dos apelos sensoriais, espetaculares, hiperativos e computacionais levados ao extremo? Esse cinema de excessos de sensações não impõe certos limites à edição audiovisual, que fica presa ao objetivo primordial de emocionar forte e imediatamente? A edição frenética e espetacular desse “neurocinema” (SHAVIRO, 2011, p. 153) eliminará totalmente a subjetividade em prol de um envolvimento intenso, contínuo e quase físico do espectador? O filme tradicionalmente narrativo está fadado a desaparecer no Século XXI? Quem sabe a “pós-continuidade” nos aproxime mais das fantásticas curiosidades pré-cinema e do espantoso “cinema de atrações” (GUNNING, 1995, p. 56) do que propriamente dos filmes da Era de Ouro de Hollywood? Acreditamos que as potencialidades do cinema de “pós-continuidade(s)”, e suas relações com a montagem fílmica, possam trazer respostas a esses e a outros questionamentos.

Bibliografia

    AMIEL, Vincent. A estética da montagem. Lisboa, PT: Edições Texto & Grafia, 2007.

    BORDWELL, David. The way Hollywood tells it: story and style in modern movies. Los Angeles: University of California Press, 2006.
    ______. The cinematic body. Minnesota: University of Minnesota Press, 2006.

    DUBOIS, Philippe; FURTADO, Beatriz (Org.). Pós-fotografia, pós-cinema: novas configurações das imagens. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2019.

    GUNNING, Tom. Uma estética do espanto: O cinema das origens e o espectador (in)crédulo. Revista Imagens, São Paulo: Editora da Unicamp, n.º 5, ago. / dez. 1995.

    JULLIER, Lurent; MARRIE, Michel. Lendo as imagens do cinema. São Paulo: Editora SENAC, 2009.

    SHAVIRO, Steven. Post-continuity: full text of my talk. 2012. Disponível em: http://www.shaviro.com/Blog/?p=1034. Acesso em: 17 mai. 2022.
    ______. The cinematic body: theory out of bounds. Minnesota, US: University of Minnesota Press, 2011.