Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Perrone Vianna (UFES)

Minicurrículo

    Gabriel Perrone é professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, Doutor em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi – UAM (São Paulo/BR), Mestre em Imagem e Som pela Universidade Católica Portuguesa – UCP (Porto/PT) e graduado em Comunicação Social – Rádio e TV pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (Bauru/BR). É pesquisador no núcleo de pesquisa O insólito no cinema (UAM) e atua como diretor e roteirista de cinema e televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    A alegria e o tédio: o cinema de horror no recente contexto brasileiro

Formato

    Remoto

Resumo

    Aos jovens, herdeiros de uma democracia readquirida, foi estimulada a liberdade. Ao mesmo tempo, parece ter emergido certa ausência a criar lugar ao insólito. A atual ascensão de filmes brasileiros que se associam ao horror pode ser analisada associada a um certo tédio juvenil. Por meio dos conceitos sobre o inquietante de Freud (1919) e atmosferas de Gumbrecht (2012), A alegria (2010) se desenha como um cinema onde jovens são, como pontua Martín-Barbero (2008), os senhores eternos do presente.

Resumo expandido

    Para Pryston (2008), a cultura contemporânea tende a considerar prioritariamente as configurações da juventude na construção de seus produtos culturais. No cinema, os filmes articulam formas discursivas de reapresentação de culturas juvenis sem a necessidade de relatar ou documentar fatos e personagens reais. Como pontua Carrière (2005), a relação entre ficção e realidade transpõe barreiras, de modo que o discurso ficcional consegue agregar muitas vezes elementos do cotidiano político, social e cultural, de alguma forma também registrando grupos e identidades que habitam determinado contexto. Dentro dos movimentos atuais de reconhecimento e pluralidade cultural, começou-se a compreender a juventude não mais de maneira singular, a concepção de juventudes está atrelada à noção de sujeitos sociais, culturais e políticos. Como bem define Martín-Barbero (2008), “os jovens são os senhores eternos do presente”, assim sendo, “o mundo está diante de juventudes cujas sensibilidades respondem às alternativas de sociabilidade que permeiam tanto as atitudes políticas quanto as pautas morais, práticas culturais e gostos estéticos” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 13). A partir desses registros que se torna mais evidente as particularidades do espectro de interações sociais que permeiam o universo juvenil, suas identidades, linguagens e vivências. Essa juventude, descendente da geração pós maio de 68, no Brasil, também, herdeiros de reabertura democrática pós-ditadura militar, foi estimulada à liberdade sobre tudo, a liberdade ao pensamento, à manifestação do pensamento e à liberdade de imaginar, si imaginar e imaginar as construções sociais que defendem. Ao dar espaço à juventude, parece ter emergido uma sensação de ausência. A isto, abre-se lugar às inseguranças, ao estranhamento, ao insólito, e por que não ao sobrenatural, já que em termos de imaginação, qualquer assombro encontra lugar?
    A atual ascensão de filmes que se articulam com o gênero do horror no atual cinema brasileiro pode ser analisada pelo percurso não do medo à repressão, mas do inquietante, conceito tratado por Freud (1919), ante à liberdade. Em um ambiente desfamiliarizado, analisar como os elementos fílmicos incidem na construção de uma narrativa insólita em A alegria (2010), de Felipe Bragança e Marina Meliande, é compreender a construção da narrativa associado ao juvenil: a tentativa de quebra do tédio. As ausências parentais, deixando a casa livre para toda sorte de ações do grupo de protagonistas, materializada na posse irrestrita dos bens patrimoniais da família, o desejo de liberdade dos jovens, por um final de semana que seja, é desmembrado na casa, como um espaço sem regras. Não é possível determinar com clareza uma barreira entre o real posto e a incidência do sobrenatural. Então, se a proposta fílmica já gera um estranhamento por si só, como tecer uma análise conclusiva em torno do sobrenatural? Para Sartre (1943), a pertinência de um fato sobrenatural permite duas aproximações não excludentes: ou naturalizamos o insólito ou admitimos que o insólito está em toda a parte, mesmo que não haja confirmações empíricas de sua existência. Assim, atribuindo aos seus próprios corpos poderes antes inimagináveis, não existe conflito nem hesitação quanto a presença dos elementos insólitos, mas a sua naturalização e, dessa forma, a filiação do insólito ficcional se dá majoritariamente pelo viés do realismo maravilhoso. A alegria se propõe a um encontro do cotidiano com a possibilidade de extravasá-lo no fantástico. Excede a ideia racional de causa e efeito e encontra lugar nas palavras de Emiliano Fischer Cunha (2014), “são filmes que se aproximam a partir da capacidade de produzir atmosferas sensoriais, aparentemente despreocupados com um desenho narrativo sólido. […] a intenção é se explorar o poder do gestual, do cotidiano, dos afetos e das relações entre os homens e do homem com os espaços” (CUNHA, 2014, p. 12).

Bibliografia

    FREUD, Sigmund. The ‘uncanny’ in: The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud (1917-1919). Londres: Vintage, 2001.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. After 1945: latency as the origin of the present. Palo Alto: Stanford University Press, 2012.
    MARTÍN-BARBERO, Jesus. A mudança na percepção da juventude: sociabilidades, tecnicidades e subjetividades entre jovens. in: BORELLI, Sílvia H. S.; FILHO, João Freire. Culturas juvenis no século XXI. São Paulo: EDUC, 2008.
    MASSUMI, Brian. The future birth of the affective fact: the political ontology of threat. in: GREGG, Melissa; SEIGWORTH, Gregory J. The affect theory reader. Durham: Duke University Press, 2010.
    RANCIÈRE, Jacques. The politics of aesthetics. Londres: Continuum, 2009.
    SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. São Paulo: Vozes, 2015 [1943].
    SPADONI, Robert. Uncanny voices. the coming of sound film and the origins of the horror genre. Berkeley: University of California Press, 2007.