Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Machado Ramos de Almeida (ESPM-SP)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP. Coordenadora do grupo de pesquisa Sense – Comunicação, consumo, imagem e experiência (CNPq). Autora do livro “O ensaio fílmico ou o cinema à deriva” (2018) e organizadora das coletâneas “Comunicação, estética e política: epistemologias, problemas e pesquisas” (2020) e ” Políticas do sensível: corpos e marcadores de diferença na Comunicação” (2020).

Coautor

    Thiago Soares (UFPE)

Ficha do Trabalho

Título

    Ouvir o pornô: os sons e a experiência do corpo pornográfico

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Apostamos em uma virada sônica dos estudos de pornografia, numa chave de gênero, para pensar o lugar da escuta nos processos de produção de sentidos e sensibilidades do pornô mainstream. Nos interessa ouvir e pensar sobre gemidos, respiração, palavras e a voz frágil e oscilante de mulheres na pornografia. Analisamos trechos de vídeos da atriz Patty UPP, nos quais a ambientação sonora produz uma ressonância subcultural em que sons são tão centrais quanto a visualidade na experiência pornográfica.

Resumo expandido

    A proposta desse trabalho é pensar o lugar da escuta nos processos de produção de sentidos e sensibilidades no audiovisual de pornografia heterossexual, numa perspectiva dos estudos de gênero e sexualidades, compreendendo que parte integrante do que se chama de experiência erótico-pornográfica se dá a partir dos registros sonoros destes materiais. Aposta-se numa virada sônica no campo dos estudos da pornografia, especialmente numa chave de gênero, a partir da predominância de abordagens feministas sobre a pornografia centradas na dimensão visual (WILLIAMS, 1999; PAASONEN, 2011). Diante da constatação de que pouco se “ouve” o pornô, busca-se investigar em que medida o som presentifica a experiência do corpo pornográfico, especificamente o corpo feminino, acionando a premissa de Mowlabocus e Medhurst (2017, p. 5), de que enquanto “o orgasmo masculino é visto e o feminino é ouvido”.
    Para os autores, o orgasmo masculino não é contestado quando é registrado visualmente, mas os sons do sexo permanecem instáveis e inverificáveis ainda que, no caso das mulheres, seja a partir deles que o orgasmo é enunciado. Um frenesi do audível, não do visível, retomando também Linda Williams (1999). Os gemidos, a respiração ofegante, as palavras ditas, a voz frágil e oscilante contribuem sobremaneira para o reforço do framing heteronormativo da pornografia mainstream, em que a fragilidade da voz da mulher reforça uma dinâmica de aparente sujeição.
    A persepctiva da intangibilidade do orgasmo feminino aponta para um debate sobre a vocalidade da produção de gemidos e sussurros a partir da consagração de uma vocalidade que se dá na garganta (KOESTENBAUM, 1994). O argumento do autor é o de que a produção vocal generificada na garganta constrói historicamente noções de fragilidade e instabilidade que são performatizadas a partir de performances que podem incidir sobre fantasias de sujeição.
    O debate sobre performance (TAYLOR, 2013) e corpos restaurados (SCHECHNER, 2006) aponta para a consagração de sonoridades marcadamentes anglófonas no pornô mainstream. Se a expansão da pornografia de internet (netporn), conteúdo mais consumido na rede, produziu algo próximo de uma universalização do inglês como idioma principal dos maiores sites de veiculação de pornografia no mundo (como Pornhub e Xvideos), evidenciou também um empobrecimento de léxicos ligados a contextos mais localizados, tirando da cena gramáticas associadas à uma imaginação pornográfica da qual fazem parte, de forma central, expressões e gírias ligadas a práticas sexuais que só fazem sentido no contexto cultural de utilização de cada idioma especificamente.
    Adota-se como material empírico para análise vídeos protagonizados por Patty UPP, apelido da jovem carioca Patrícia Alves, que ficou conhecida em 2014 após a divulgação de vídeos em que aparecia praticando sexo com policiais dentro de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro, além de viaturas e estacionamentos da Polícia Militar. Com a circulação do caso na imprensa e nas redes sociais, Patrícia Alves, que tatuou a sigla UPP na virilha e se dizia musa da polícia, se tornou atriz pornô e estrelou diversos filmes na produtora Brasileirinhas.
    Chama-se atenção para a dimensão sonora presente nesses vídeos: além da visualidade associada ao imaginário militarista tão comum como fetiche sexual (na pornografia e também fora dela), com fardas, algemas, botas e armas, os sons dos vídeos são fundamentais na construção da ambientação, da familiaridade e das condições de reconhecimento da personagem e do contexto (Brasil, Rio de Janeiro), numa dinâmica de ressonância subcultural que tem no som, não apenas na imagem, um aspecto fundamental.

Bibliografia

    KOESTENBAUM, Wayne. The Queen’s Throat: Opera, Homosexuality and the Mystery of Desire. New York: De Cabo Press, 2001.
    MOWLABOCUS, Sharif, MEDHURST, Andy. Six propositions on the sonics of pornography. Porn Studies. DOI: 10.1080/23268743.2017.1304236.
    PAASONEN, Susanna. Carnal resonance: affect and online pornography. Cambridge: MIT Press, 2011.
    SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction (second edition). New York & London: Routledge, 2006.
    TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
    WILLIAMS, Linda. Hard core: power, pleasure and ‘the frenzy of the visible’ Berkeley: University of California Press, 1999.