Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Fernando Coutinho de Oliveira (UFMG)

Minicurrículo

    Doutorando em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (UFMG), redator e tradutor do Vestido sem Costura – blog de cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    O segredo das origens e a origem do segredo em O Sangue (1989)

Formato

    Presencial

Resumo

    O Sangue (1989), primeiro filme de Pedro Costa, é um filme cinéfilo que aciona a memória de diferentes obras do cinema. Ao mesmo tempo interessado em exumar os corpos fílmicos de certo cinema clássico e moderno, o filme, consumido por uma “angústia da influência”, também propõe o movimento contrário: enterrá-los, superá-los, traçar uma linha de fuga. O objetivo do trabalho é situar, no contexto de um exercício comparatista, a influência de O Mensageiro do Diabo (1955) sobre o filme de Costa.

Resumo expandido

    O Sangue, de Pedro Costa, é a história de um parricídio. É também a história de meninos e adolescentes “que nunca foram devidamente apresentados ao mundo em que vivemos”, como o casal de Amarga Esperança (Nicholas Ray, 1948). Órfãos consumidos pelo medo e pela escuridão contrastada do preto-e-branco. O Sangue, primeiro filme de um cineasta cinéfilo, é, mais profundamente, um filme sobre a cinefilia – sobre uma memória do cinema que insiste em cobrir as imagens como uma sombra.

    Para Adrian Martin (2011, p. 91), o cinema de Pedro Costa “convoca naturalmente a ‘experiência cinéfilia’ por excelência: comparamos, cruzamos referências, recordamos um momento em John Ford ou um dado efeito de estilo em Jacques Tourneur, um corte em Jean-Luc Godard ou uma sobreimpressão em Jean Epstein (…)”. Objeto insólito na filmografia de seu realizador, febrilmente corroído pela herança de diferentes obras da história do cinema, O Sangue parece afligido pelo que Harold Bloom (2002) nomeou, na literatura, “angústia da influência”: o sentimento de haver chegado depois, de ser necessariamente posteridade, que conduz à necessidade de lidar com a desapropriação de estilos do passado para superar essa influência e abrir um espaço imaginário próprio.

    É disto que trata O Sangue: escapar da influência de seus precursores, traçar uma linha de fuga. Como Nino (Nuno Ferreira), o menino que foge do tio e remata o filme desbravando um rio, de barco, sem olhar para trás. Como Vicente (Pedro Hestnes), seu irmão, matando o pai para evitar sua própria morte simbólica. Como o próprio cineasta, Pedro Costa, dividido entre duas tarefas: “há o Pedro Costa que exuma (os fantasmas do cinema lendário) e um Pedro Costa que enterra, que queima (…), que liquida, que queria ser de uma vez por todas órfão, e já não herdeiro” (AZOURY, 2011, p. 84). Em ambas, a mesma angústia da influência, esta do “fluxo dos astros sobre nossos destinos e personalidades” (BLOOM, 2002, p. 12).

    Afrontar uma filiação (como Vicente afronta o pai) ou fugir dela (como Nino o faz): O Sangue parece se equilibrar entre esses dois movimentos. A linha de fuga prometida no final do filme anuncia, em certa medida, a desterritorialização operada no filme seguinte de Costa, Casa de Lava (1994). Previsto inicialmente como uma refilmagem de A Morta-Viva (Jacques Tourneur, 1943), o projeto de Casa de Lava foi substancialmente modificado depois que o cineasta travou contato com a cultura de Cabo Verde, onde foi filmado. Como se, para escapar da angústia da influência de Tourneur, fosse preciso deslocar-se para o arquipélago africano, “território onde tudo estaria por reinventar, onde seria permitido reescrever a sua própria história, começá-la do zero” (AZOURY, 2011, p. 84).

    Em O Sangue, desenterrar os cadáveres do cinema é um gesto primordial. Frédéric Bonnaud (2005), por exemplo, refere-se ao filme resgatando os nomes de Georges Franju, Samuel Fuller, F.W. Murnau, Charles Laughton e Jean-Marie Straub. Carlos Melo Ferreira (2018), por sua vez, pensa em Robert Bresson e Nicholas Ray. Olivier Joyard (2000) relembra O Tesouro do Barba Ruiva (Fritz Lang, 1955), enquanto Rui Chafes (2011) recorda Ozu. Se o drama do filme é o de descobrir “de qual mistério eles [os personagens] nasceram”, “o segredo magnífico que está no cerne de O Sangue é o segredo do cinema” (JOYARD, 2000, p. 59) – o segredo das origens.

    Interessado em traçar um panorama de obras precursoras de O Sangue – o já citado Amarga Esperança, Aurora (1927), Os Verdes Anos (1963), Relações de Classe (1984), entre outros –, o presente trabalho busca situar e analisar, dentro de uma chave comparatista, as possíveis relações de influência entre o filme de Costa e O Mensageiro do Diabo (Charles Laughton, 1955), buscando entrever ecos e desvios. Compreender como Pedro Costa exuma o filme de Laughton para voltar a enterrá-lo, dialetizando identificação e separação, usurpação e imposição, imitação e invenção, é o objetivo da apresentação.

Bibliografia

    AZOURY, P. “Órfãos”. In: Cem mil cigarros: os filmes de Pedro Costa. Lisboa: Orfeu Negro, 2011, p. 83-89.
    BLOOM, Harold. Poesia e repressão: o revisionismo de Blake a Stevens. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
    _____. A angústia da influência: uma teoria da poesia. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
    BONNAUD, Frédéric. “A materialist odyssey: the journey of Pedro Costa”. In: Pedro Costa Film Retrospective. Sendai, 2005.
    FERREIRA, C. M. Pedro Costa. Porto: Edições Afrontamento, 2018.
    JOYARD, O. “Les amants de la nuit”. In: Cahiers du cinéma n° 542, janvier 2000, p. 58-59.
    MARTIN, A. “A vida interior de um filme”. In: Cem mil cigarros: os filmes de Pedro Costa. Lisboa: Orfeu Negro, 2011, p. 91-97.
    CHAFES, R. “Condenados à morte, condenados à vida”. In: Cem mil cigarros: os filmes de Pedro Costa. Lisboa: Orfeu Negro, 2011, p. 65-71.