Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Dias Miranda (PPGCOM/UFRJ)

Minicurrículo

    Doutoranda em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCom/UFRJ). Mestre em Cinema pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine/UFF). Sua pesquisa atual tem como foco o conceito de atmosfera no cinema e as relações entre afetos negativos e formas estéticas no cinema contemporâneo latino-americano.

Ficha do Trabalho

Título

    O peso espacial: hipóteses acerca do problema ontológico da atmosfera

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Ao realizar um apanhado geral da teorização do conceito de atmosfera na arte e suas aplicações no cinema, este trabalho tem por objetivo explorar as problemáticas que envolvem sua ontologia e localização. Neste sentido, partindo da identificação de contradições teóricas e generalidades que envolvem a noção de “experiência atmosférica”, proponho trazer para este arcabouço conceitual as contribuições da teoria afetiva de modo a fornecer especificidade analítico-formal para a noção de atmosfera.

Resumo expandido

    A palavra “atmosfera”, originalmente utilizada no sentido meteorológico, é evocada tanto pela crítica quanto pela teoria do cinema em contextos os mais diversos e gerais como, por exemplo: Susan Sontag (2015) ao definir uma “atmosfera sexual” no filme Persona (Ingmar Bergman – Suécia – 1966) ou Elena Del Rio (2008) em relação aos filmes de David Lynch como característicos de uma “atmosfera não-realista”, entre outros. Nestes dois usos exemplares, o termo aparece de modo auto-evidente e quase universal, sendo auxiliar para alguma adjetivação que implique qualidades tonais da organização espacial ou estilísticas destas obras. Desse modo, pouco se desenvolve acerca dos apontamentos formais das dimensões estéticas específicas de cada atmosfera identificada. Da mesma maneira, as características afetivas associadas a tonalidade da experiência atmosférica também acompanham essa vagueza auto-explicatória e quase acessória.
    Um dos principais problemas da ontologia da atmosfera é sua localização. Se esta é um humor, de quem ou onde estaria delineado? Quem e como se possui uma atmosfera? Estas são questões colocadas por Böhme (2017) ao definir o conceito como um fenômeno localizado entre sujeito e objeto, uma mediação. Neste sentido, apesar de possuírem discordâncias no modo com que operacionalizam e conceitualizam a noção de atmosfera, Böhme (2017), Gil (2005), Spadoni (2019) e Gumbretch (2014) parecem concordar na definição de um meio envolvente, um tom geral que aglutina seus diferentes elementos em uma mesma vibração de experiência espacial. A atmosfera, para estes autores, resulta da emanação de forças por parte dos objetos resultante em um tipo de impressão geral na consciência de como um determinado espaço é sentido enquanto totalidade englobante.
    Entretanto, mesmo que desenvolvam tipologias que visam trazer concretude formal para a atmosfera, e reforçando sua definição a partir deste lugar liminal, em última análise, oferecem como resposta o sujeito como entidade validadora do conceito: 1) Para Gil (2005, p.100): “A atmosfera geral de um filme mede-se pelas forças (afectivas, estéticas) que permanecem no espectador após o final.” 2) Böhme (2017, p.292): “Mas por outro lado atmosferas não são seres como coisas; elas não são nada sem um sujeito as sentindo.” 3) Gumbretch (2014, p.30): “O que importa, sim, é descobrir princípios ativos em artefatos e entregar-se a eles de modo afetivo e corporal – render-se a eles e apontar na direção deles.”
    Além do problema analítico que emerge destas definições, estas teorizações fazem forte uso das palavras “afeto” e “força”, sem que estas sejam propriamente desenvolvidas. Isto é, relega-se a atmosfera a meramente algo que “pulsa” ou transborda na imagem, sem que se defina a dinâmica especifica das afecções, questões já amplamente desenvolvidas e debatidas na teoria afetiva.
    É neste sentido que proponho uma rearticulação ontológica da atmosfera, partindo de um duplo movimento: 1) recuperar e problematizar, a partir da teoria afetiva – especificamente pelo conceito de “afeto-forma” (BRINKEMA, 2014) – as generalizações que envolvem a usual noção de “experiência atmosférica”. 2) retomar os conceitos de diagrama e dobra em Deleuze (1988) e associá-los a geometria dos afetos em Espinosa (2015) como hipótese analítica da atmosfera fílmica enquanto topologia de forças ordenadas espacialmente na materialidade fílmica, que ora se saturam ou se dispersam e, com isso, retira-se a experiência do sujeito como instância definidora da atmosfera.
    Através disso, analisa-se brevemente o filme paraguaio “Las Herederas” (Marcelo Martinessi, 2018) de modo a compreender a expressão de adensamento e saturação espacial na forma de uma atmosfera que pesa, como uma topologia de forças concêntricas na própria materialidade fílmica ligadas, nesta obra, a propriedades de paragem, letargia, destruição e melancolia.

Bibliografia

    BÖHME, Gernot. The aesthetics of atmospheres. Nova York: Routledge, 2017.
    BRINKEMA, Eugenie. The forms of the affects. Durham: Duke University Press, 2014.
    DEL RÍO, Elena. Deleuze and the cinemas of performance: Powers of affection. Edinburg:
    Edinburg University Press, 2008.
    DELEUZE, GIlles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988.
    ESPINOSA, Baruch de. Ética. São Paulo: Edusp, 2015.
    GIL, Inês. A atmosfera no cinema: O caso de A sombra do caçador de Charles Laughton entre onirismo e realismo. Braga: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
    GUMBRETCH, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, stimmung: sobre um potencial oculto da literatura. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014.
    SONTAG, Susan. A vontade radical. São Paulo: Companhia das Letras, 2015
    SPADONI, Robert. What is Film Atmosphere? Quarterly Review Of Film And Video, [S.L.], v. 37, n. 1, p. 48-75, 22 jul. 2019. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/10.1080/10509208.2019.1606558.