Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Renato Souto Maior Sampaio (UFPE)

Minicurrículo

    Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduado em Cinema e Audiovisual em 2015, pela mesma instituição, tendo realizado intercâmbio de um ano, entre 2013 e 2014, na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.

Ficha do Trabalho

Título

    PASSAGENS: uma jornada emotiva e comparada pelo cinema de Miguel Gomes

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho intenta abordar a questão do deslocamento e da viagem na obra do cineasta português Miguel Gomes, por meio de um aspecto da emoção nestas jornadas fílmicas. Para tanto, um viés háptico perpassará alguns caminhos e itinerários nesta investigação, como também o uso de uma abordagem comparada entre o objeto aqui proposto e filmes viajantes pertencentes ao movimento cinematográfico do primeiro cinema.

Resumo expandido

    O que pode existir de semelhante entre um conjunto de obras realizadas no início do cinema e um realizador português contemporâneo? Talvez o distanciamento cronológico entre estas duas forças se faça relevante e possa afastá-las em suas trajetórias, mas estas temporalidades diversas são, principalmente na arte, questionáveis e se desdobram, muitas vezes, em um outro patamar de linearidade. E apesar de a filmografia de Miguel Gomes possuir um recorte viajante, de filmes que registram locomoções, a constante movimentação da própria imagem, a cinética, é o início de tudo; para além de uma abordagem de gênero o cinema é movimento, por mais estático ou fincado que um filme ou obra possa ser.
    “Não há dualidade entre a imagem e o movimento, como se a imagem estivesse na consciência e o movimento nas coisas. O que há? Somente imagens-movimento. É em si mesma que a imagem é movimento e em si mesmo que o movimento é imagem” (DELEUZE, 1981, p.4). Não há, dessa forma, sentimento mais emblemático para ilustrar ou remeter a toda esta movimentação que não o das emoções. “A emoção se materializa como uma topografia em movimento. Atravessar esse território é se deparar com as mudanças constantes de uma íntima e ainda social psicogeografia” (BRUNO, 2002, p. 17, tradução nossa).
    O conteúdo dos obras deste primeiro cinema possui uma espécie de fantasmagoria visual tão única que acaba por evocar um apelo sensorial provocado por estes fiapos de imagens. Também são obras cambaleantes entre as esferas do documentário e da ficção, o que as posicionava em um entre-lugar instigante e novo. Tem-se, também, um interesse por imagens em movimento que exibam lugares, espaços outros, estranhos, estrangeiros. Não há como pensar, então, neste período sem trazer reminiscências como a dos travelogues, das expedições filmadas, das viagens registradas. Diante, assim, dos filmes de viagem, o público poderia conhecer terras longínquas e exóticas, para o além-mar, sem precisar embarcar em um navio ou se deslocar para longe, coisa que o teatro, naquele momento, entregava de forma limitada. (MÜNSTERBERG, 1970).
    A ideia de jornada é muito presente na filmografia de Miguel Gomes, e embarcar em um de seus filmes é sempre como partir de algum lugar. Sendo assim, há uma evidente marca em sua obra que referencia e remete a um certo cinema de viagem, de percursos. Há, nesse sentido, um recorrente indício e desejo em documentar estas andanças, mas não apenas, também as ficcionalizando, na realização, assim, de um hibridismo entre as duas esferas. “E o cinema documentário, o cinema que se dedica ao “real” é, neste sentido, capaz de uma invenção ficcional mais forte que o cinema de “ficção”, que se dedica facilmente a certa estereotipia das ações e dos tipos característicos” (RANCIÈRE, 2009, p. 57).
    Ou seja, o cinema de Gomes tem a ver, é harmônico e alinhado com aquilo que parece ter cunhado a origem dos filmes viajantes: a intenção documental e de registro dos lugares e espaços visitados. “A viagem, se pode ser considerada como um dado precursor do que hoje convencionamos chamar de road movie, está relacionada historicamente tanto ao campo do documentário como ao da ficção, podendo, em alguns casos, reunir ambos” (PAIVA, 2011, p.41).
    Traçamos uma aproximação entre o primeiro cinema e a obra de Miguel Gomes, comparadas a partir de dois elementos concomitantemente presentes e relevantes em ambos: a concepção de um cinema viajante e a tênue demarcação entre a ficção e o documentário nestes filmes. Propomos que a (e)moção é um fio condutor importante por meio dessas deambulações, presentes mais fortemente em dois de seus filmes: “Aquele Querido Mês de Agosto” (2008) e Tabu (2012). “A palavra emoção nos fala, etimologicamente, de um movimento fora de si. Quando estamos emocionados, ficamos “fora de nós mesmos”, e também podemos deslocar, e até mesmo estilhaçar, os objetos e os próprios limites em que nos situamos no mundo” (DIDI-HUBERMAN, 2021, p.44).

Bibliografia

    BRUNO, Giuliana. Atlas of Emotion: Journeys in Art, Architecture, and Film. London: Verso, 2002.

    DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Tradução: Luiz B. L. Orlandi. – São Paulo: Editora 34, 1999.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Povo em lágrimas, povo em armas. São Paulo: Editora N-1 Edições, 2021.

    MÜNSTERBERG, Hugo. The Film: A Psychological Study. Nova York. Dover Pub., 1970, capítulos 4,5 e 6.

    PAIVA, Samuel. Gêneses do gênero road movie. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, v. 38, n. 36, p. 35-53, 2011.

    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2009.

    XAVIER, Ismail. A experiência do cinema (antologia)/organização. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Paz e Terra, 2018.