Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Corrêa Gontijo (UEM)

Minicurrículo

    Rodrigo Gontijo é artista, curador, professor no curso de Comunicação e Multimeios da Universidade Estadual de Maringá. É Doutor e Mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP e Bacharel em Comunicação e Multimeios pela PUC-SP. É autor de artigos sobre cinema experimental e expandido. Desenvolve projetos de cinema ao vivo (pré-cinema e pós-cinema), instalações audiovisuais e filmes-ensaios. Suas produções foram apresentadas no Brasil, Argentina, Canadá, Marrocos e Espanha.

Ficha do Trabalho

Título

    Poesia é Risco: o cinema abstrato de Ivan Cardoso

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Formato

    Presencial

Resumo

    Riscos, linhas, traços e pontos cintilam e dançam na tela, sobre imagens figurativas em fluxos. Esta pesquisa apresenta as abstrações presentes nos curtas experimentais “H.O.” (1979), “Hi-Fi” (1999) e “O colírio de Corman me deixou doido demais” (2020) de Ivan Cardoso, à luz de conceitos sobre filme-arte (Hans Richter), cinema-matéria (André Parente) e acinema (Jean-François Lyotard).

Resumo expandido

    Ivan Cardoso, o Mestre do Terrir, que já realizou filmes com bilheteria de 1 milhão de espectadores, como As Sete Vampiras (1986), desenvolve em paralelo ao cinema comercial de ficção, experimentações em curtas-metragens como H.O. (1979), documentário experimental ensaístico sobre o Hélio Oiticica. O filme rompe com a linguagem convencional do cinema comercial e é marcado por fragmentações que priorizam o mostrar ao invés do narrar, a fim de retratar as potências de um artista. Em H.O., ainda de maneira tímida e pontual, Cardoso realiza suas primeiras interferências diretamente na película, onde instantes de abstrações se entrecruzam com estados documentais.

    Vinte anos depois, Ivan Cardoso realiza o curta-metragem Hi-Fi (1999), auto-denominado “cine-poema-pop-concreto para cine-cubistas” (CARDOSO:2018). Munido de tesoura e estilete, ponta preta de negativo, adesivos do tipo Letra N7 AZ, solventes e água sanitária, o cineasta risca copiões de seus filmes mesclados à cenas de trabalhos anteriores. Com 8 minutos de duração, assistimos, como sugere a imagem inicial, uma montanha russa de acontecimentos sonoros e visuais. Cenas com linhas que perambulam pela tela são intercaladas com bolas, palavras e muitas imagens circulares. Em determinado momento, ouvimos Augusto de Campos recitar “Tudo está visto, tudo está dito, nada é perdido, nada é perfeito, eis o imprevisto”. Tal frase pode ser considerada como a síntese deste trabalho de Ivan Cardoso.

    Mesmo com a escassez de financiamentos, Ivan Cardoso continuou sua produção artesanal de filmes autorais, aperfeiçoando suas técnicas de intervenções diretas em películas. Em 2020, o diretor realiza O colírio do Corman me deixou doido demais, apropriando-se de cenas de seus filmes anteriores junto à imagens inéditas. Logo de início, vemos Roger Corman, diretor de filmes B, pingar gotas alucinógenas nos olhos de Cardoso enquanto diz “Não tenha medo, Ivan. Relaxe”. Assim, somos transportados para um mundo repleto de riscos, linhas, traços e pontos que vibram, cintilam e dançam na tela, sobre imagens figurativas em fluxos, convidando o espectador a vivenciar experiências estranhas, incomuns e inéditas.

    Podemos pensar estes curtas experimentais de Ivan Cardoso à luz de Hans Richter, que afirma que as experimentações no cinema como arte buscam “as qualidades mágicas para criar o estado original do sonho”, liberando-se completamente “do relato tradicional e de sua cronologia” (RICHTER: 2000)

    Os riscos poéticos de Ivan Cardoso apresentam também “um cinema anterior aos corpos, obstáculos ou reações onde qualquer corpo pode se ligar a qualquer outro, sem limite espaço temporal” (PARENTE, 2000), o que implica no ultrapassamento do intervalo de movimento. O cinema-matéria de Cardoso possui composições agenciadoras de desordem, com pulsões livres em imagens singulares, sem preocupação com a organização espaço-temporal; ao suspender “uma força de ordem: ele passa a produzir verdadeiros simulacros, intensidades gozosas, em vez de objetos consumíveis-produtivos” (LYOTARD, 2004).

    Em H.O., Hi-Fi e O Colírio do Corman me deixou doido demais, Ivan Cardoso apresenta combinações imprevisíveis de imagens e sons, nos conduzindo à um cine-poema-pop-concreto que explode diante de nossos olhos, num jogo de músicas e formas geométricas que bailam de maneira ritmada, muitas vezes em velocidades aceleradas, que desestruturam a percepção humana e propiciam, muitas vezes, estados de vertigens. Helio Oiticica assim definiu os curtas de Cardoso: “não é a diluição Nouvelle-Vague Holly-Novo-Realismo nem Underground Americano como querem insinuar: o sentido de humor paródia grotesco das situações-episódios são unicamente brasileiras” (OITICICA:1974). De forma magistral, os riscos poéticos do seu cine-poema-bomba nos deixam doidos demais.

Bibliografia

    CARDOSO, Ivan. O Mestre do Terrir. São Paulo: Imprensa Oficial, 2018.
    FERREIRA, Jairo. Cinema de Invenção. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2016

    LYOTARD, Jean-François. O acinema. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria Contemporânea do Cinema – vol.1. São Paulo: Senac, 2004

    OITICICA, Helio. Nosferato. In: NETO, Torquato; SALOMÃO, Waly (org.). Navilouca. Rio de Janeiro: Edições Gernasa e Artes Gráficas, 1974

    PARENTE, André. Narrativa e modernidade – os cinemas não-narrativos do pós-guerra. Campinas: Papirus Editora, 2000.

    RICHTER, Hans. El film, una forma original de arte. In: ROMAGUERA, Joaquim (org). Textos y Manifiestos del Cine. 3º edicion. Madrid: Catedra, 2000.