Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    LARISSA SHAYANNA FERREIRA COSTA (UFMG)

Minicurrículo

    Mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com especialização em Estudos Latino-americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2015) e graduação em Comunicação Social pela UFMG (2018). Atualmente pesquisa cinema de mulheres durante o período da redemocratização no Brasil e a potência das imagens de instaurar experiências feministas, tanto políticas quanto estéticas.

Ficha do Trabalho

Título

    A luta pela legalização do aborto no Brasil em dois filmes de mulheres

Formato

    Presencial

Resumo

    Neste trabalho pretendemos refletir como dois vídeodocumentários, Lei Dentro, Lei Fora (Victoria Santos, 1985) e Aborto Não é Crime (Rita Moreira, 1995), que têm em comum o tema do aborto, elaboram e direcionam questões históricas e políticas para o movimento feminista do período e para a atualidade. Cada uma a seu modo, as produções parecem desvelar a hipocrisia e o conservadorismo da sociedade, além de marcar distinções de classe e raça das mulheres que recorrem ao aborto ilegal.

Resumo expandido

    Neste trabalho pretendemos refletir como dois vídeodocumentários, Lei Dentro, Lei Fora (Victoria Santos, 1985) e Aborto Não é Crime (Rita Moreira, 1995), que têm em comum o tema do aborto, elaboram e direcionam questões históricas e políticas para o movimento feminista do período. Aspiramos também discutir como essas produções, a partir das suas formas fílmicas, endereçam questões que resvalam na atualidade, considerando que, no Brasil, o direito amplo ao aborto ainda é uma aspiração porvir. Compreendemos que esses vídeodocumentários compõe um contra-cinema de mulheres brasileiro, em termos inspirados na elaboração de Claire Johnston (1973), por questionarem a ideologia sexista, reproduzida cotidianamente pela sociedade patriarcal, racista e capitalista (SAFFIOTI, 2004).
    Encomendado pelo gabinete da então deputada estadual Lúcia Arruda, do Partido dos Trabalhadores (PT), Lei Dentro, Lei Fora acompanhou a votação do Projeto de Lei (PL) 832, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), que obriga a rede de serviços de Saúde do estado a atender mulheres que optem pelos casos de aborto legal, previstos no artigo 128 do Código Penal, de 1940. O PL proposto pela deputada Lúcia Arruda foi aprovado e sancionado pelo então governador Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), em meio a manifestações feministas e, ao mesmo tempo, à reação conservadora de parte da sociedade, da Igreja Católica e de deputados federais.
    O filme de Rita Moreira, Aborto Não é Crime, também gira em torno da apresentação de um projeto de lei pela então senadora Eva Blay (PSDB) em 1993. A matéria previa modificar o Código Penal e garantir que a interrupção da gravidez fosse considerada um ato de livre decisão da mulher até a décima segunda semana de gestação. O projeto foi arquivado em 1995. Logo na primeira cena, uma performance de Fernanda Torres informa algo que virá ao longo do filme: no contexto de criminalização, mulheres abortam sozinhas e, muitas vezes, sangram até a morte. A opção formal da diretora é pela entrevista tradicional que traz em primeiro plano depoimentos de mulheres transeuntes, atrizes, sindicalistas, feministas, profissionais da medicina e da psicologia, e integrantes da igreja católica. Muitas delas, inclusive, já recorreram ao aborto ilegal. Entremeados aos depoimentos, dados sobre o aborto e imagens de lutas feministas no final dos anos 1970 em Portugal, na França, na Espanha, em Londres, na Itália, cujo direito ao abortamento legal foi conquistado pelas mulheres.
    Lei Dentro, Lei Fora e Aborto Não é Crime lançam mão de uma edição nada ingênua. No caso do filme de Victoria Santos, há poucas aparições de uma entrevistadora, que parece sempre perguntar o óbvio. A Assembleia tem creche? Como é ser uma deputada grávida? Sim, Lúcia Arruda estava grávida. “Ainda estou experimentando, ainda não sei te dizer. Acho que é uma coisa legal, porque, inclusive, vem como uma nova forma de viver a maternidade, com alegria, como uma coisa mais integrada na vida da mulher. Agora é uma batalha. Porque você tem que achar o tempo feminino da política, o tempo feminino das coisas. Porque isso não está previsto. O tempo da vida pública não prevê uma gravidez, um parto”, responde a deputada à segunda pergunta. Se havia creche na Alerj? Não.
    Na mesma perspectiva, o filme de Rita Moreira investiga algo que também beira o óbvio: mesmo considerado crime, as mulheres abortam, mas são as pobres e negras que morrem ou são submetidas às piores práticas. “A vida é muito triste para criar um filho. Eu tenho sete filhos”, diz, chorando, uma das entrevistadas, negra e moradora de uma periferia onde uma cadela encontrou um feto descartado em um lote vago. Perguntada sobre o porquê do choro, ela responde que “no Brasil só tem miséria. Porque tem muitas meninas novas engravidando e o pai não assume. Então, elas acabam fazendo um aborto. Ontem vi uma cena muito triste, mas vai saber o que essa mãe estava passando. Quem sou eu para julgar”.

Bibliografia

    COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2019. 496p.
    HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 5ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019. 176p.
    JOHNSTON, Claire. Women’s cinema as counter-cinema. In. Notes on Women’s Cinema. London (UK): Seft. p. 24-31, 1973.
    SAFFIOTI, Heleith. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo (SOP): Editora Fundação Perseu Abramo. 2004. 151p.
    SARTI, Cynthia. Feminismo e contexto: lições do caso brasileiro. In. MORAES, Maria Lygia Quartim de. (org). Cadernos Pagu: desdobramentos do feminismo. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). v.16. p. 31-48. 2001.