Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    denise tavares da silva (UFF)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-Graduação Mídia e Cotidiano e do Departamento de Comunicação Social, ambos da Universidade Federal Fluminense, UFF. Mester em Multimeios (Unicamp) e Doutora em Integração Latino-Americana (PROLAM/USP).

Ficha do Trabalho

Título

    O que me move? Sagas da identidade nos docs de Carrasco e Descout

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Formato

    Presencial

Resumo

    Os docs En el murmullo del vento (2018), de Nina Wara Carrasco, e Castelo de Terra (2020), de Oriane Descout, constroem narrativas norteadas pela busca da identidade e sentido da vida. Submetidos à matriz biográfica, os filmes se pautam por temporalidades distintas: enquanto no documentário de Carrasco a viagem se desenha pelo passado do pai, promovendo retorno a seu idílico lugar de infância, a obra de Oriane testemunha uma saga tracejada pelo sonho futuro de encontrar o “seu” lugar no mundo.

Resumo expandido

    Se é fácil afirmar que no século XX viver na cidade tornou-se o destino preferencial/obrigatório da maior parte da população, também já é possível dizer que o movimento inverso – a volta ao campo – espalha-se, midiaticamente (pelo menos), sob múltiplas formas. Sites, blogs, reportagens e vídeos enaltecendo a melhor qualidade da vida no campo abundam, mantendo distantes, é claro, os desafios e a realidade de violência destes territórios, como ocorre nos países da América Latina. Nesta toada, advertências como a de Ellen Gould White (1827-1915), autora estadunidense co-fundadora da Igreja Adventista de Sétimo Dia, ganham força como profecias que, mais do que nunca, se oferecem como balizas para as escolhas de onde viver. Para ela – como para tantos – a vida na cidade não era a verdadeira, pois na cidade o que há é “A intensa paixão de ganhar dinheiro, o redemoinho da exaltação e da corrida aos prazeres, a sede de ostentação, de luxo e extravagância, tudo são forças que, no que respeita à maioria da humanidade, desviam o espírito do verdadeiro desígnio da vida” (2013, p.8).
    Outros relatos, já em linguagem mais contemporânea, também enaltecem o retorno à natureza, mesmo que sob moldes não muito distantes da vida na cidade. Pelo contrário, em diversas reportagens e programas de televisão, o voltar a viver da e na terra se consolida justamente pelo aceno de melhorar a própria situação econômica, algo que há um século movia as pessoas em direção às cidades. Por trás desta retórica está, sem dúvida, as versões positivas do Agronegócio, hegemônicas na grande mídia. No entanto, também como sempre, as contradições fissuram a solidez aparente dos discursos únicos, tracejando trilhas que na seara midiática se apresenta, em especial, pela produção documentária. Nosso foco nestas obras tem a pretensão de identificar e discutir representações e imaginários deste movimento de “volta ao campo”, problematizando os recursos expressivos e éticos acionados, considerando o contexto fortemente tensionado pela crise ambiental, pela persistência de um discurso idílico ligado à vida na terra, pela (re)descoberta das cosmogonias dos povos originários e pela (re)valorização das tradições imbricadas na cultura rural.
    Sob esse arcabouço que envolve um aporte teórico que inclui as discussões sobre o documentário e as questões ambientais que atravessam o continente latino-americano, essa comunicação destacou os filmes En el murmullo del vento (Bolívia, 2018), de Nina Wara Carrasco, e Castelo de Terra (Brasil, França, 2020), de Oriane Descout, buscando perscrutar a matéria imanente das obras e assim traçar, com elas, os debates que propomos. Entre eles, nos interessa marcar as configurações da identidade que emergem em cada filme, cujas concepções, pautadas pela matriz biográfica, fazem do testemunho e do vínculo com a natureza as estratégias narrativas que conduzem a obra. Vale assinalar que o documentário boliviano assenta-se nos relatos narrados pelo pai da diretora, entrelaçando as descobertas de si às vivências dele. Assim, no filme a nostalgia e a música configuram uma atmosfera de íntima celebração das origens, em processo que o passado ganha fôlego e é capaz de fornecer pistas significativas para a vida atual de Carrasco. Já Castelo de Terra é autobiográfico e acompanha a saga de Descout que, por sete anos, acompanhada do companheiro brasileiro, buscou realizar o sonho de viver de forma coletiva na área rural. Seus deslocamentos, decepções e reflexões são configurados em primeira pessoa e expõem uma racionalidade abrandada por animações que investem de leveza boa parte da obra. Enfim, ao aproximar esses documentários, o objetivo desta comunicação é discutir os recursos expressivos e éticos que nos permitem localizá-las (ou não) no amplo contexto político do que chamamos “retorno ao campo”.

Bibliografia

    ACOSTA, Alberto. O Bem Viver – uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016.
    BALTAR, Mariana. Realidade Lacrimosa – O melodramático no documentário brasileiro contemporâneo. Niterói/RJ: EdUFF, 2019.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. 2ª reimpressão da 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2014.
    GAUTHIER, Guy. O documentário. Um outro cinema. Campinas (SP): Papirus, 2011.
    LEFF, Enrique. A Aposta Pela Vida. Petrópolis: Vozes, 2016.
    LÖWY, Michael. O que é ecossocialismo? 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2014.
    MENDOZA, Carlos. La invención de la verdade – ensayos sobre cine documental. 2ª ed. México: Universidad Nacional de México, 2015.
    SAYRE, Robert; LÖWY, Michael. Anticapitalismo Romântico e Natureza – O Jardim Encantado. São Paulo: Editora Unesp, 2021.
    WHITE, Ellen Gould. A vida no campo. Estado Ellen G. White, 2013. Disponível em http://www.centrowhite.org.br/downloads/ebooks. Acesso em 18.04.2022.